Publicado na Revista da ABESO - Associação Brasileira para Estudo da Obesidade
Numa época de substancial aumento da prevalência de
obesidade em todo o mundo e com uma oferta cada vez mais parca de medicações disponíveis
para seu tratamento e que freqüentemente falham em alcançar resultados
satisfatórios, é natural que combinação de duas ou mais drogas sejam testadas e
utilizadas em nossa prática clínica, como ocorre com outras doenças crônicas
multifatoriais e com fisiopatologia complexa, como a hipertensão e o diabetes
mellitus. Embora o risco de interações medicamentosas e o custo do tratamento
sejam maiores, podemos, com a combinação, obter efeitos aditivos ou sinérgicos
no peso. Exemplificando, se o uso de duas drogas como a sibutramina e o
orlistate, com mecanismos de ação muito diferentes, oferece a possibilidade de
se agir em duas vias distintas obtendo uma resposta aditiva (embora com
resultados muito desapontadores em estudos clínicos), o uso de uma droga que
bloquearia efeitos compensatórios naturais advindo do uso de uma outra
medicação teria o potencial de oferecer um resultado ainda maior que a soma do
uso das duas drogas individualmente. Foi com essa idéia que um grupo de
pesquisadores formulou a hipótese que a droga anti-depressiva e anti-tabágica
bupropiona em combinação com o antagonista opióide naltrexone (usado para o combate
ao alcoolismo), pudesse ter um grande efeito no peso, apesar da eficácia
extremamente limitada do uso das mesmas isoladamente.
O
racional para tal raciocínio é o seguinte. A bupropiona é um inibidor da
recaptação de dopamina e noradrenalina, agindo desta forma aumentando a
concentração dos dois neurotransmissores no sistema nervoso central. Essa maior
concentração no núcleo arqueado aumenta a sinalização de neurônios produtores
de POMC (pró-opiomelanocortina). O POMC liberado após essa sinalização é
rapidamente clivado em alfa-MSH e beta-endorfinas. O alfa-MSH é uma substância
reconhecidamente anorexigênica agindo nos receptores 3 e 4 de melanocortina
(MCR3 e MCR4) e que também aumenta o gasto enérgetico. O efeito da bupropiona
no peso, porém, não é tão pronunciado pois a beta-endorfina que é produzida em
conjunto, um opióide endógeno, inibe diretamente a via da POMC, num
retro-alimentação de alça curta. Um excesso de beta-endorfinas leva a um
aumento do consumo alimentar em roedores, principalmente de alimentos mais
palatáveis. O naltrexone, como já dito, é exatamente um antagonista opióide, e
portanto, das beta-endorfinas. Assim, o efeito anorexigênico da bupropiona
poderia ser mais pronunciado por não ser mais inibido pelas beta-endorfinas.
Estudos
eletrofisiológicos em ratos confirmaram uma maior sinalização de neurônios POMC
em roedores, conforme a hipótese formulada e, posteriormente, a combinação mostrou-se
eficaz em reduzir substancialmente o consumo alimentar em animais, mais do que
o efeito aditivo das duas drogas.
Após
estudos fase II, designou-se que as dosagens a ser usadas em conjunto seriam de
360 mg de bupropiona SR, dividida em duas tomadas e naltrexone SR de 16 ou 32
mg (a dose de naltrexone 48mg foi descartada por alto índices de efeitos
colaterais e abandono). Os comprimidos possuíam a combinação em dose fixa (i.e
NB 8/160 ou 16/160 tomados duas vezes ao dia).
Dois
estudos clínicos fase III foram, então, realizados, o COR-I e COR-II. O COR-I,
com resultados divulgados no jornal Lancet, randomizou 1742 indivíduos durante
56 semanas para as duas doses propostas e placebo. No grupo que utilizou 32 mg
de naltrexone (a dose com melhores resultados) a perda de peso média foi de
4,8%, sustentada, e a porcentagem de indivíduos que perderam mais de 5%, 10% e
15% de peso foi, respectivamente, 48%, 25% e 12%. Houve diminuição de
circunferência abdominal, aumento de HDL, redução de triglicérides, Proteína C
reativa e glicemia de jejum. A taxa de abandono por efeitos adversos no grupo
tratamento foi de 20% contra 7% no placebo, sendo o mais frequente a náusea
(que ocorreu principalmente nas primeiras semanas de tratamento e mais
associada ao naltrexone), seguido por constipação intestinal, cefaléia,
tontura, vômitos e boca seca. Apenas três eventos adversos considerados graves
ocorreram na combinação do COR-I com o COR-II, em quase 3000 pacientes: uma
convulsão (relacionada à bupropiona, que diminui limiar convulsivo e é
contra-indicado em pacientes com história convulsiva prévia), um episódio de
parestesia e um de palpitações associado a dispneia e ansiedade. A pressão
arterial permaneceu inalterada e houve o aumento de um batimento por minuto.
Porém, nos indivíduos que perderam peso, houve redução dos níveis pressóricos.
Outro
estudo recente, o COR-BMOD ofereceu, além do tratamento com a combinação,
conselhos sobre modificação de estilo de vida e atingiu uma perda de peso média
de 11,5% (4,2% subtraída do placebo), claramente mostrando que a combinação de
drogas com aconselhamento tem grande possibilidade de ser eficaz (80,4% dos que
terminaram o estudo perderam mais de 5% do peso).
Infelizmente,
nos EUA, embora a combinação em dose fixa diária de 360 mg de bupropiona com 32
mg de naltrexone tenha recebido uma revisão positiva pelos membros painel do
FDA, a droga foi rejeitada pelo mesmo FDA em Fevereiro de 2011, por ausência de
dados de segurança de longo prazo, apesar do bom perfil de tolerabilidade e
segurança apresentados nos estudos.
Embora
ainda indisponível para comercialização em dose fixa, possuímos, no Brasil, as
duas drogas no mercado, sempre destacando que uma eventual prescrição para a
obesidade caracteriza o uso off-label, permitido
pelo CFM, mas que deve sempre ser bem explicado ao paciente. A bupropiona é
vendida nas doses de 150 e 300 mg, com diferentes perfis farmacocinéticos de
liberação e o naltrexone na dose de 50 mg (mais alta que a utilizada nos
estudos, além de ser de liberação rápida). A apresentação do naltrexone
dificulta o uso na clínica, por maiores efeitos colaterais e tempo de ação mais
curto. De qualquer maneira, pode ser uma ferramenta útil para alguns pacientes
que tiveram falha clínica com modificação de estilo de vida e outras medicações
de primeira linha, como orlistate e sibutramina, sempre se respeitando a
contra-indicação em pacientes com história de epilepsia, além de cuidado com a
administração em conjunto com outras medicações de ação central e mecanismos
semelhantes à bupropiona (como inibidores de recaptação de serotonina,
tricíclicos e outras drogas de ação catecolaminérgica). O naltrexone possui
poucas interações e só não deve ser utlizado em pacientes em tratamento com
opiáceos, por diminuir a efetividade do tratamento.
Literatura
Recomendada:
Halpern, B, Faria AM, Halpern, A. Bupropion/Naltrexone
fixed dose for the treatment of obesity. Drugs of Today, 2011
Halpern, B, Oliveira, ESL, Faria, AM, et al. Combination of drugs in the treatment of obesity. Pharmaceuticals.
2010, 3, 2398-2415
Greenway, FL, Whitehouse, MJ, Guttadauria, M, et al.
Rational Design of a Combination
Medication for the treatment of obesity. Obesity. 2009 17: 30-39
Greenway, FL, Fujioka, K, Plodkowski, RA, et al. Effect of naltrexone plus bupropion on weight loss in overweight and
obese adults (COR-I): a multicentre, randomized, double-blind,
placebo-controlled, phase III trial. Lancet 2010, 376:595-605.
Wadden, TA, Foreyt,JP, Foster, GD, et al. Weight loss with Naltrexone SR/Bupropion SR Combination Therapy as an
Adjunct to Behavior Modification: The Cor-BMOD Trial. Obesity, 2011 19:
110-120.
Parabéns pelo texto, está muito bom!
ResponderExcluirEu achei algumas outrsa informações a respeito da bupropiona nessa página e fiquei interessado.
Vou conversar com meu médico a respeito.