sexta-feira, 11 de maio de 2012

Combinação Bupropiona e Naltrexona para tratamento da Obesidade - para médicos


Publicado na Revista da ABESO - Associação Brasileira para Estudo da Obesidade



Numa época de substancial aumento da prevalência de obesidade em todo o mundo e com uma oferta cada vez mais parca de medicações disponíveis para seu tratamento e que freqüentemente falham em alcançar resultados satisfatórios, é natural que combinação de duas ou mais drogas sejam testadas e utilizadas em nossa prática clínica, como ocorre com outras doenças crônicas multifatoriais e com fisiopatologia complexa, como a hipertensão e o diabetes mellitus. Embora o risco de interações medicamentosas e o custo do tratamento sejam maiores, podemos, com a combinação, obter efeitos aditivos ou sinérgicos no peso. Exemplificando, se o uso de duas drogas como a sibutramina e o orlistate, com mecanismos de ação muito diferentes, oferece a possibilidade de se agir em duas vias distintas obtendo uma resposta aditiva (embora com resultados muito desapontadores em estudos clínicos), o uso de uma droga que bloquearia efeitos compensatórios naturais advindo do uso de uma outra medicação teria o potencial de oferecer um resultado ainda maior que a soma do uso das duas drogas individualmente. Foi com essa idéia que um grupo de pesquisadores formulou a hipótese que a droga anti-depressiva e anti-tabágica bupropiona em combinação com o antagonista opióide naltrexone (usado para o combate ao alcoolismo), pudesse ter um grande efeito no peso, apesar da eficácia extremamente limitada do uso das mesmas isoladamente.

                O racional para tal raciocínio é o seguinte. A bupropiona é um inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina, agindo desta forma aumentando a concentração dos dois neurotransmissores no sistema nervoso central. Essa maior concentração no núcleo arqueado aumenta a sinalização de neurônios produtores de POMC (pró-opiomelanocortina). O POMC liberado após essa sinalização é rapidamente clivado em alfa-MSH e beta-endorfinas. O alfa-MSH é uma substância reconhecidamente anorexigênica agindo nos receptores 3 e 4 de melanocortina (MCR3 e MCR4) e que também aumenta o gasto enérgetico. O efeito da bupropiona no peso, porém, não é tão pronunciado pois a beta-endorfina que é produzida em conjunto, um opióide endógeno, inibe diretamente a via da POMC, num retro-alimentação de alça curta. Um excesso de beta-endorfinas leva a um aumento do consumo alimentar em roedores, principalmente de alimentos mais palatáveis. O naltrexone, como já dito, é exatamente um antagonista opióide, e portanto, das beta-endorfinas. Assim, o efeito anorexigênico da bupropiona poderia ser mais pronunciado por não ser mais inibido pelas beta-endorfinas.

                Estudos eletrofisiológicos em ratos confirmaram uma maior sinalização de neurônios POMC em roedores, conforme a hipótese formulada e, posteriormente, a combinação mostrou-se eficaz em reduzir substancialmente o consumo alimentar em animais, mais do que o efeito aditivo das duas drogas.

                Após estudos fase II, designou-se que as dosagens a ser usadas em conjunto seriam de 360 mg de bupropiona SR, dividida em duas tomadas e naltrexone SR de 16 ou 32 mg (a dose de naltrexone 48mg foi descartada por alto índices de efeitos colaterais e abandono). Os comprimidos possuíam a combinação em dose fixa (i.e NB 8/160 ou 16/160 tomados duas vezes ao dia).

                Dois estudos clínicos fase III foram, então, realizados, o COR-I e COR-II. O COR-I, com resultados divulgados no jornal Lancet, randomizou 1742 indivíduos durante 56 semanas para as duas doses propostas e placebo. No grupo que utilizou 32 mg de naltrexone (a dose com melhores resultados) a perda de peso média foi de 4,8%, sustentada, e a porcentagem de indivíduos que perderam mais de 5%, 10% e 15% de peso foi, respectivamente, 48%, 25% e 12%. Houve diminuição de circunferência abdominal, aumento de HDL, redução de triglicérides, Proteína C reativa e glicemia de jejum. A taxa de abandono por efeitos adversos no grupo tratamento foi de 20% contra 7% no placebo, sendo o mais frequente a náusea (que ocorreu principalmente nas primeiras semanas de tratamento e mais associada ao naltrexone), seguido por constipação intestinal, cefaléia, tontura, vômitos e boca seca. Apenas três eventos adversos considerados graves ocorreram na combinação do COR-I com o COR-II, em quase 3000 pacientes: uma convulsão (relacionada à bupropiona, que diminui limiar convulsivo e é contra-indicado em pacientes com história convulsiva prévia), um episódio de parestesia e um de palpitações associado a dispneia e ansiedade. A pressão arterial permaneceu inalterada e houve o aumento de um batimento por minuto. Porém, nos indivíduos que perderam peso, houve redução dos níveis pressóricos.

                Outro estudo recente, o COR-BMOD ofereceu, além do tratamento com a combinação, conselhos sobre modificação de estilo de vida e atingiu uma perda de peso média de 11,5% (4,2% subtraída do placebo), claramente mostrando que a combinação de drogas com aconselhamento tem grande possibilidade de ser eficaz (80,4% dos que terminaram o estudo perderam mais de 5% do peso).

                Infelizmente, nos EUA, embora a combinação em dose fixa diária de 360 mg de bupropiona com 32 mg de naltrexone tenha recebido uma revisão positiva pelos membros painel do FDA, a droga foi rejeitada pelo mesmo FDA em Fevereiro de 2011, por ausência de dados de segurança de longo prazo, apesar do bom perfil de tolerabilidade e segurança apresentados nos estudos.

                Embora ainda indisponível para comercialização em dose fixa, possuímos, no Brasil, as duas drogas no mercado, sempre destacando que uma eventual prescrição para a obesidade caracteriza o uso off-label, permitido pelo CFM, mas que deve sempre ser bem explicado ao paciente. A bupropiona é vendida nas doses de 150 e 300 mg, com diferentes perfis farmacocinéticos de liberação e o naltrexone na dose de 50 mg (mais alta que a utilizada nos estudos, além de ser de liberação rápida). A apresentação do naltrexone dificulta o uso na clínica, por maiores efeitos colaterais e tempo de ação mais curto. De qualquer maneira, pode ser uma ferramenta útil para alguns pacientes que tiveram falha clínica com modificação de estilo de vida e outras medicações de primeira linha, como orlistate e sibutramina, sempre se respeitando a contra-indicação em pacientes com história de epilepsia, além de cuidado com a administração em conjunto com outras medicações de ação central e mecanismos semelhantes à bupropiona (como inibidores de recaptação de serotonina, tricíclicos e outras drogas de ação catecolaminérgica). O naltrexone possui poucas interações e só não deve ser utlizado em pacientes em tratamento com opiáceos, por diminuir a efetividade do tratamento.





Literatura Recomendada:

Halpern, B, Faria AM, Halpern, A. Bupropion/Naltrexone fixed dose for the treatment of obesity. Drugs of Today, 2011

Halpern, B, Oliveira, ESL, Faria, AM, et al. Combination of drugs in the treatment of obesity. Pharmaceuticals. 2010, 3, 2398-2415

Greenway, FL, Whitehouse, MJ, Guttadauria, M, et al. Rational Design of a Combination Medication for the treatment of obesity. Obesity. 2009 17: 30-39

Greenway, FL, Fujioka, K, Plodkowski, RA, et al. Effect of naltrexone plus bupropion on weight loss in overweight and obese adults (COR-I): a multicentre, randomized, double-blind, placebo-controlled, phase III trial. Lancet 2010, 376:595-605.

Wadden, TA, Foreyt,JP, Foster, GD, et al. Weight loss with Naltrexone SR/Bupropion SR Combination Therapy as an Adjunct to Behavior Modification: The Cor-BMOD Trial. Obesity, 2011 19: 110-120.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto, está muito bom!
    Eu achei algumas outrsa informações a respeito da bupropiona nessa página e fiquei interessado.
    Vou conversar com meu médico a respeito.

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