A restrição de sono é um dos grandes efeitos do estilo de
vida moderno e questionários americanos demonstram claramente que o número de
indivíduos com sintomas relacionados a essa restrição vem crescendo
progressivamente, assim como o número total de horas dormidas como um todo vem
se reduzindo,principalmente durante a semana. Um questionário simples com
residentes de endocrinologia no Hospital das Clínicas (mesmo os que não dão
plantão) mostra 90% dos mesmos com restrição durante a semana e compensação de
fim de semana. Considerando que o sono ocupa cerca de 1/3 de nossas vidas e não
podemos viver sem ele, é de se esperar que essa restrição traga sérios
malefícios a nossa saúde.
De
fato, inúmeros trabalhos publicados recentemente sugerem uma maior mortalidade
e maior risco de eventos cardiovasculares (Risco relativo aproximado de 1,3)
para quem dorme menos de 7 horas por noite. O mesmo acontece para quem dorme em
excesso, porém essa é uma condição bem mais rara e não vai ser detalhada nesse
texto.
O interessante, e muito pouco
comentado, é que também existem diversos estudos que correlacionam a restrição de
sono com a prevalência de obesidade em populações gerais, sendo que a relação
mais forte ocorre em crianças e adolescentes. Nessas faixas etárias, todos os
estudos transversais mostraram relação positiva. Já em adultos, 13 de 19
estudos também encontraram essa relação, na maior parte das vezes, em U, com
menor incidência de obesidade entre aqueles que dormiam entre 7 a 8 horas. É
muito difícil compilar esses estudos e chegar a dados definitibos devido a
diferentes comparações e populações, mas a aparente relação pode ser explicada
com base nos conhecimentos atuais.
Estudos
clássicos já demonstraram que indivíduos privados de sono (4 horas VS 8 horas)
tendem a ter escores de fome mais altos e de saciedade mais baixos, com
preferência nítida por alimentos mais calóricos. Uma das razões seria um
aumento da grelina e redução da leptina nesses indivíduos no dia seguinte ao
que dormiam menos. Um recente estudo com neuroimagem demonstrou que indivíduos
privados de sono têm aumento do estímulo hedônico ao visualizarem alimentos
mais calóricos, com óbvias conseqüências. Além disso, é claro que quanto maior
o tempo de vigília, maior a exposição a alimentos e também a álcool. Provavelmente,
porém, não é só o aumento da ingestão que estaria envolvido nessa relação. Uma
provável redução do gasto energético foi aventada, porém, até o momento, não há
uma demonstração precisa de que isso ocorra, embora dados (e o bom senso)
sugerem uma menor carga de atividade física programada naqueles indivíduos
privados de sono. Como a fisiopatologia da obesidade é complexa, outros fatores
também já foram estudados, como a disrupção no ritmo ultradiano do cortisol (levando
a maior lipogênese por maior área sob a curva de secreção do hormônio), alterações
na sinalização de insulina (com maior sensibilidade em tecido adiposo, também
favorecendo lipogênese) e um aumento da oxidação preferencial de carboidratos
em detrimento de gorduras (quociente respiratório mais alto).
Cabe
ressaltar que a quantidade de horas de sono é apenas uma entre inúmeras
variáveis que podem relacionar sono e obesidade. Qualidade do sono, exposição à
luz noturna, proporção de sonos de onda lenta e sono REM, trabalho noturnos, jet-lag
social, apnéia do sono e sazonalidade são alguns dos fatores que também já se
mostraram associados à obesidade e cada um deles mereceria destaque em um
artigo como este.
Estabelecida
esta relação, com todas as críticas que se possa fazer a estudos transversais,
que não estabelecem causa e efeito, resta uma outra dúvida importante: em um
indivíduo que iniciará um programa de perda de peso, a privação de sono pode
atrapalhar esse intento? Há menos estudos que avaliaram esse tema, mas
aparentemente sim.
Em um
ensaio clínico com alimentação pré-montada, um questionário do sono foi
realizado e aqueles que dormiam menos de 7 horas por noite tinham um risco
relativo para perder mais de 10% do peso de 0,7, ou seja, uma maior dificuldade
de perder peso, valores que permaneceram significativos mesmo após um ano de
tratamento.
Já em
um estudo cross-over com 10 indivíduos com sobrepeso que faziam restrição
calórica moderada por 2 semanas dormindo 8 horas ou 5 horas e meia, no período
de menor sono, a perda de massa magra foi 60% da total, provavelmente devido a
um quociente respiratório mais alto, com maior oxidação de carboidrato e maior
conservação de gordura.
Compilando
todos esses dados, é claro que há ainda muitas dúvidas a serem respondidas, mas
um bom questionário sobre o sono e orientações para uma noite bem dormida devem
fazer parte de uma consulta clínica de indivíduos que desejam emagrecer.
Tentar
entender melhor os motivos que levariam à essa relação sono-obesidade também
nos poderá ajudar a conhecer melhor a fisiopatologia da obesidade e encontrar
novos tratamentos. E, por fim, como promoção à saúde, devemos identificar e
tentar corrigir alterações no sono de nossos pacientes, pois estão claros os
malefícios a longo prazo da privação de sono, não apenas na obesidade, mas em
diversas outras doenças e na mortalidade geral.
Leitura
recomendada:
Penev PD.
Update on energy homeostasis and insufficient sleep. Journal of Clinical
Endocrinology and Metabology 2012; 97 (6): 1792-1801
Killick R,
Banks S, Liu PY. Implications of sleep restriction and recovery on metabolic
outcomes. Journal of Clinical Endocrinology and Metabology 2012; 97
(11):3876-3890
Klingenberg
L, Sjödin A, Holmbäck U, Astrup A, Chaput JP. Short sleep duration and its
relation with energy metabolism. Obesity Reviews 2012; 13:565-577