sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sono e obesidade (para médicos- publicado na Revista da ABESO)


A restrição de sono é um dos grandes efeitos do estilo de vida moderno e questionários americanos demonstram claramente que o número de indivíduos com sintomas relacionados a essa restrição vem crescendo progressivamente, assim como o número total de horas dormidas como um todo vem se reduzindo,principalmente durante a semana. Um questionário simples com residentes de endocrinologia no Hospital das Clínicas (mesmo os que não dão plantão) mostra 90% dos mesmos com restrição durante a semana e compensação de fim de semana. Considerando que o sono ocupa cerca de 1/3 de nossas vidas e não podemos viver sem ele, é de se esperar que essa restrição traga sérios malefícios a nossa saúde.

                De fato, inúmeros trabalhos publicados recentemente sugerem uma maior mortalidade e maior risco de eventos cardiovasculares (Risco relativo aproximado de 1,3) para quem dorme menos de 7 horas por noite. O mesmo acontece para quem dorme em excesso, porém essa é uma condição bem mais rara e não vai ser detalhada nesse texto.

O interessante, e muito pouco comentado, é que também existem diversos estudos que correlacionam a restrição de sono com a prevalência de obesidade em populações gerais, sendo que a relação mais forte ocorre em crianças e adolescentes. Nessas faixas etárias, todos os estudos transversais mostraram relação positiva. Já em adultos, 13 de 19 estudos também encontraram essa relação, na maior parte das vezes, em U, com menor incidência de obesidade entre aqueles que dormiam entre 7 a 8 horas. É muito difícil compilar esses estudos e chegar a dados definitibos devido a diferentes comparações e populações, mas a aparente relação pode ser explicada com base nos conhecimentos atuais.  

                Estudos clássicos já demonstraram que indivíduos privados de sono (4 horas VS 8 horas) tendem a ter escores de fome mais altos e de saciedade mais baixos, com preferência nítida por alimentos mais calóricos. Uma das razões seria um aumento da grelina e redução da leptina nesses indivíduos no dia seguinte ao que dormiam menos. Um recente estudo com neuroimagem demonstrou que indivíduos privados de sono têm aumento do estímulo hedônico ao visualizarem alimentos mais calóricos, com óbvias conseqüências. Além disso, é claro que quanto maior o tempo de vigília, maior a exposição a alimentos e também a álcool. Provavelmente, porém, não é só o aumento da ingestão que estaria envolvido nessa relação. Uma provável redução do gasto energético foi aventada, porém, até o momento, não há uma demonstração precisa de que isso ocorra, embora dados (e o bom senso) sugerem uma menor carga de atividade física programada naqueles indivíduos privados de sono. Como a fisiopatologia da obesidade é complexa, outros fatores também já foram estudados, como a disrupção no ritmo ultradiano do cortisol (levando a maior lipogênese por maior área sob a curva de secreção do hormônio), alterações na sinalização de insulina (com maior sensibilidade em tecido adiposo, também favorecendo lipogênese) e um aumento da oxidação preferencial de carboidratos em detrimento de gorduras (quociente respiratório mais alto).

                Cabe ressaltar que a quantidade de horas de sono é apenas uma entre inúmeras variáveis que podem relacionar sono e obesidade. Qualidade do sono, exposição à luz noturna, proporção de sonos de onda lenta e sono REM, trabalho noturnos, jet-lag social, apnéia do sono e sazonalidade são alguns dos fatores que também já se mostraram associados à obesidade e cada um deles mereceria destaque em um artigo como este.

                Estabelecida esta relação, com todas as críticas que se possa fazer a estudos transversais, que não estabelecem causa e efeito, resta uma outra dúvida importante: em um indivíduo que iniciará um programa de perda de peso, a privação de sono pode atrapalhar esse intento? Há menos estudos que avaliaram esse tema, mas aparentemente sim.

                Em um ensaio clínico com alimentação pré-montada, um questionário do sono foi realizado e aqueles que dormiam menos de 7 horas por noite tinham um risco relativo para perder mais de 10% do peso de 0,7, ou seja, uma maior dificuldade de perder peso, valores que permaneceram significativos mesmo após um ano de tratamento.

                Já em um estudo cross-over com 10 indivíduos com sobrepeso que faziam restrição calórica moderada por 2 semanas dormindo 8 horas ou 5 horas e meia, no período de menor sono, a perda de massa magra foi 60% da total, provavelmente devido a um quociente respiratório mais alto, com maior oxidação de carboidrato e maior conservação de gordura.

                Compilando todos esses dados, é claro que há ainda muitas dúvidas a serem respondidas, mas um bom questionário sobre o sono e orientações para uma noite bem dormida devem fazer parte de uma consulta clínica de indivíduos que desejam emagrecer.

                Tentar entender melhor os motivos que levariam à essa relação sono-obesidade também nos poderá ajudar a conhecer melhor a fisiopatologia da obesidade e encontrar novos tratamentos. E, por fim, como promoção à saúde, devemos identificar e tentar corrigir alterações no sono de nossos pacientes, pois estão claros os malefícios a longo prazo da privação de sono, não apenas na obesidade, mas em diversas outras doenças e na mortalidade geral.

 

 

Leitura recomendada:

Penev PD. Update on energy homeostasis and insufficient sleep. Journal of Clinical Endocrinology and Metabology 2012; 97 (6): 1792-1801

Killick R, Banks S, Liu PY. Implications of sleep restriction and recovery on metabolic outcomes. Journal of Clinical Endocrinology and Metabology 2012; 97 (11):3876-3890

Klingenberg L, Sjödin A, Holmbäck U, Astrup A, Chaput JP. Short sleep duration and its relation with energy metabolism. Obesity Reviews 2012; 13:565-577