segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O efeito das festas de final de ano no peso

Época de final do ano é sempre igual: muitos eventos, confraternizações, fora as festas do Natal e do Reveillon - muito difícil para fazer dieta e controlar o peso. Vivo isso diariamente no consultório, com pessoas preocupadas com o peso nesa época, que estão indo bem, mas tem medo de voltar a ganhar peso; gente que está perdendo e para de perder e uma série de outras situações... Pode parecer um problema menor, mas não é.
Um estudo publicado há mais de 10 anos na revista New England (a mais prestigiada do mundo) mostra que em pessoas que não estão em dieta, a tendência é de um ganho de peso importante nessa época e a perda posterior a esse período é inferior ao ganho. O que se conclui do texto, portanto, é que uma das grandes razões para que as pessoas engordem ao longo da vida é esse ganho de peso do final do ano! Pois assim o processo continua e cada ano, você engorda um pouquinho mais.
Existe uma idéia geral que nós engordamos ao longo da vida, mas isso não é um processo natural: mudamos a composição corpórea (exemplo: mais gordura na região abdominal), mas não deveríamos engordar, pelo menos isso não acontecia com nossos antepassados - o excesso de comida que acumulamos ao longo da vida, e que comemos apenas por excesso de disponibilidade, é que é o grande responsável por engordarmos.
Isso não significa que você deve ficar neurótico no final de ano e não aproveitar as festas. Significa que deve controlar seu peso antes das festas e após e caso aja algum ganho, tente voltar a seu peso o mais rápido possível para evitar esse fenômeno.
Outro aspecto é o de pessoas que perderam muito peso e estão em fase de manutenção. Um estudo com mais de 5000 pessoas que perderam mais de 16 kgs e conseguem manter essa perda, mostra que uma das estratégias é nunca perder o controle do que come, ou seja, não exagerar nem mesmo em datas comemorativas. De novo, não é que não se possa aproveitar, mas é preciso ter controle. Se pretende comer um pouco a mais, planeje previamente o que comerá - o maior problema é aquela idéia "já que já fugi da dieta mesmo, vou aproveitar e me esbaldar". Fugir um pouquinho e de maneira planejada e consciente, é muito diferente de "enfiar o pé na jaca". Isso pode atrapalhar meses de controle de peso!
Pensem nisso, e boas festas!

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Axel Munthe, O Livro de San Michele e a Medicina

Recentemente, li o 'O Livro de San Michele', do médico sueco Axel Munthe, publicado em 1929 no final de sua vida, que conta memórias de seu passado como médico da alta sociedade, mas também dos pobres em grandes desgraças, até o momento em que se cansou de tudo isso e foi morar numa Villa que ele próprio construiu em Anacapri, na Ilha de Capri, próximo a Nápoles. O livro é muito bonito e recomendo fortemente, mas também me surpreendi com a franqueza que Axel (provavelmente no final da sua vida, sem muito a perder) tem ao falar sobre algumas questões médicas e tenho certeza que, se fosse hoje em dia, publicado, ele seria muito criticado. Axel Munthe diz claramente em alguns momentos do livro que "inventava" diagnósticos para alguns pacientes como um método terapêutico, isto é, dizendo que sintomas de caráter psicológico eram, na realidade, doenças com um diagnóstico estabelecido (que hoje soa absurdo, como colite ou apendicite), e que, com estes diagnósticos firmados, estes pacientes se sentiriam melhores e mais dispostos, melhorando seus sintomas e respondiam muito bem a tratamentos-placebo. Ele também recomenda a um amigo médico que está perdendo pacientes que este deve se entitutular especialista em massagens (por, como todo sueco, saber um pouco do assunto) e esse acaba virando uma referência, recebendo, inclusive, milionários americanos em busca de sua "miraculosa" massagem. Embora sejam hoje considerado métodos eticamente duvidosos, é interessante observar como numa época de restritos conhecimentos científicos, médicos renomados e de bom caráter (é fácil perceber que Munthe era uma pessoa caridosa) se utilizava desses meios para se obter respostas clínicas favoráveis (os resultados práticos da massagem, segundo Munthe, eram expressivos). Munthe também cita como a hipnose era vastamente utilizada na época (nem sempre da melhor maneira, como deixa claro sua insatisfação com seu antigo mestre Charcot) e como se acreditava no seu poder de cura.
Devo observar que ainda hoje existam grandes dúvidas sobre a existência de algumas doenças, como a fibromialgia, a síndrome da fadiga crônica, a síndrome do intestino irritável, o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, entre outros. E muitos médicos e pesquisadores acreditam que estamos superdiagnosticando algumas condições e medicalizando-as em excesso, nos aproximando daquilo que Munthe comenta em seu livro. Não pretendo aqui discutir a existência ou não dessas doenças, tema complexo demais e do qual também não sou especialista e também não advogo a "invenção" de doenças para tratar pacientes, quero deixar claro. Estou convicto, porém, que todo médico deveria estudar mais a fundo a história da medicina, aprendendo com erros que já foram cometidos, entendendo como o conhecimento científico cresceu através dos anos e não esquecendo que o mais importante, sempre, é gerar o bem-estar do paciente. Se conseguirmos  isto, sem é claro, causar nenhum mal, estaremos nos aproximando dos ideais médicos de Hipócrates.
O que Munthe e seu amigo massagista é considerado altamente questionável hoje em dia, mas acredito que o poder da cura pode muitas vezes estar na palavra e na sensibilidade de um médico, muito mais do que em remédios.
Leitura recomendada!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A dificuldade de se mudar uma idéia

Hoje vou escrever aqui uma frase dita pelo Prêmio Nobel de Física de 1918 Max Planck a respeito do conhecimento científico: "An important scientific innovation rarely makes its way by gradually winning over and converting its opponents: it rarely happens that Saul becomes Paul. What does happen is that is opponents gradually die out and that the growing generation and that the growing generation is familiarized with the idea from the beggining" Numa tradução minha seria "Uma inovação científica importante dificilmente passa a ser aceita por gradualmente vencer as antigas e converter seus oponentes: raramente acontece de Saul virar Paulo. O que acontece é que seus oponentes morrem lentamente e a nova geração se familiariza com a idéia desde o início". Essa pode até parecer uma frase simples, mas carrega um significado muito forte em todas as areas científicas. O conhecimento que recebemos como básico no início de nossa formação se enraiza e é muito difícil que aceitemos que aquilo que sempre acreditamos como verdadeiro se mostre completamente equivocado. Inúmeras mentes brilhantes caíram nessa armadiha- imagine estudar uma vida toda um assunto e no final descobrir que tudo o que você sempre acreditou era errôneo. Muitos estudiosos consideram suas ídéias como filhos e a defendem com unhas e dentes. Na Medicina isso é muito comum e em geral é, de fato, necessário décadas para uma idéia que comece a surgir em artigos hoje seja vastamente aceita- e é por isso que é fundamental ao médico estar sempre atualizado com artigos científicos e ter uma boa dose de discernimento ao saber quem é que defende uma ou outra idéia. O Diabetes é uma área que vem gerando muitas controvérsias nos últimos anos, em vários aspectos. Diversos estudos mostram que para um diabético de longa data, um controle estrito da glicemia (com riscos de hipoglicemia) pode até ser maléfico; o uso de insulina em diabéticos tipo 2 (que não tem deficiência de insulina) pode também ter consequências ruins em casos que antes se advogava o uso... Mas muitos pesquisadores renomados ainda defendem as antigas posições. Mais ainda: existe uma teoria, que muitos pesquisadores novos defendem, que mudaria totalmente o que se conhece sobre o diabetes, mas que ainda é raramente citada na literatura, embora haja uma série de experimentos que pareçam comprovar que ela esteja certa, embora não pronta, sobreo papel do excesso de insulina na gênese da doença (ao contrário do que se achava que esse excesso era conseqüência de uma má ação da insulina nos órgãos). A Obesidade também corre esses riscos e vou dar um exemplo que todos entendem: ainda é arraigado nas pessoas (e nos médicos) a idéia de que é gordo quem come muito e não se exercita e não há segredos para se emagrecer, é só fechar a boca e ir para a academia. Sabemos hoje que diversos fatores influenciam o ganho de peso, como genética, poluição, determinados alimentos, bactérias intestinais, temperatura ambiente, amamentação e muito mais... Mas também existem provas que alterações hormonais podem fazer as pessoas comerem muito e não se exercitarem como conseqüencia e não causa da obesidade! Sim, isso parece loucura e eu mesmo não sei se acredito! Sim e é por isso que antes de rechaçarem de vez essa idéia e muitas outras, lembrem-se de Max Planck. Podemos nunca mudar de idéia sobre algo que acreditamos, mas quem acreditava na época de Galileu que a Terra girava ao redor do sol e não vice-versa?

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Colesterol e triglicérides: Jejum ou não jejum? Eis a questão

Praticamente todos os laboratórios de coleta de sangue exigem, para a coleta de colesterol total e suas frações e do triglicérides, jejuns que variam de 8 a 12 horas. De fato, a maior parte dos estudos e posicionamentos de sociedades médicas que falam sobre o colesterol avaliaram os exames de pacientes em jejum e essa é uma maneira lógica e clara de uniformizar as medidas para a população geral.
Mas aqui há um problema: passamos a maior parte do nosso dia em período pós-prandial com jejuns menores de 8 horas e há uma série de estudos que mostram que a aterosclerose (isto é, de maneira simples, a deposição de gordura em nossas artérias) acontece principalmente nesse período pós-alimentar, quando absorvemos a gordura que comemos e também produzimos gordura em nosso fígado. Ou seja, é possivel que ao fazer exames em jejum deixamos passar pessoas que tem níveis mais altos de lípides na maior parte do dia!
Há uma série de evidências que mostram isso que disse com os triglicérides, que são partículas de gordura que rodam nosso corpo carregadas por protéinas e que sobem após a alimentação. Na maior parte dos indivíduos fazendo uma alimentação balanceada, essa subida não é expressiva, mas alguns indivíduos (como diabéticos) podem ter subidas mais pronunciadas, assim como após nos alimentarmos com muita gordura (exemplo: churrasco, feijoada). E essa subida de triglicérides após a refeição tem uma capacidade maior de prever indivíduos sob risco de desenvolver doenças cardiovasculares (AVC, infarto) do que as medidas em jejum (principalmente mulheres).
No caso do colesterol, não há grandes variações nas dosagens antes e após as refeições, o que quer dizer que não seria preciso o jejum, visto que o nível não muda sensivelmente.
O grande problema é que é muito difícil de uniformizar essas medidas no dia-a-dia, portanto o médico deve ter uma boa capacidade de interpretação. Por exemplo: quanto tempo após comermos seria melhor a medição? Que tipo de alimentos devemos comer antes da medição? Quais seriam os valores de corte? Não temos essas respostas.
O que me parece sensato, mas isto se trata de uma opinião pessoal, é que podemos dosar o triglicérides de 4-6 horas após uma refeição padrão daquele indivíduo (isto é, uma refeição semelhante àquela que ele faz a maior parte dos dias), que é quando os níveis estão mais altos, para uma avaliação melhor da trigliceridemia pós-prandial e podemos colher o colesterol junto (desde que a medida do LDL- uma das frações do colesterol- seja dosada e não apenas calculada por meio de fórmulas pelos laboratórios). Medidas com menos tempo de jejum, porém, também podem nos ajudar.
Com essas informações, seria muito mais fácil para um paciente dosar seus exames a qualquer momento do dia e aumentaríamos a aderência em exames de sangue e, consequentemente, na consulta médica. Mas para isso, ainda temos que convencer os laboratórios!
Para terminar, quero dizer que podemos ter melhores estimativas de risco com a medida dos triglícéries pós-prandial, com objetivo de identificar os pacientes que devem se cuidar mais, realizar outros exames e se beneficiar de alguns tratamentos, mas ainda há muitas dúvidas para serem respondidas.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Hipoglicemia em diabéticos

Embora o diabetes seja caracterizado por níveis altos de glicose no sangue, um dos maiores medos do tratamento dos diabéticos é exatamente o contrário, a hipoglicemia (níveis baixos de glicose). A razão é muito simples:na tentativa de baixar esses níveis, eles acabam baixando mais do que deveriam1 Isso é comum com alguns remédios orais (como as sulfas), mas ainda mais freqüente com o uso da insulina. Nos diabéticos do tipo 1, ou seja, aqueles que não produzem insulina e portanto necessitam de insulina exógena para viver, com várias aplicações ao dia, a presença de hipoglicemias é praticamente inevitável para quem quer atingir um bom controle. O importante é que sejam hipoglicemias leves (acima de 60mg/dL nos aparelhos de ponta de dedo), infreqüentes e sintomáticas, isto é, que o paciente saiba reconhecê-las e tratá-las prontamente. Deve-se também evitar ao máximo hipoglicemias noturnas. Quando um diabético tem muitas hipoglicemias, ele passa a ter menos sintomas e isso pode ser perigoso, pois hipoglicemias graves podem ter conseqüências sérias. É importante ressaltar isto, pois é comum diabéticos referirem estar felizes por não ter mais os incômodos sintomas da hipoglicemia. Os mais comuns são sudorese, mal estar, tremores, mas pode ocorrer desmaios. Também é comum, principalmente em idosos, sintomas neurológicos como confusão mental, perda de memória, atitudes estranhas... Em geral, os sintomas melhoram após comer.
O ideal é comer alimentos ricos em glicose e de rápida absorção: suco, água com açúcar, bolacha, fruta, balas. Chocolate e leite não são recomendados pois tem gordura e com isso a absorção é mais lenta e a hipoglicemia demora mais para resolver. Outra coisa importante: deve-se comer com moderação, isto é: um copo de água com açúcar ou 1 fruta ou 2 balas ou 2 bolachas ou 1 copo de suco ou refrigerante normal. A hipoglicemia costuma dar muita fome e se o diabético comer até esta fome passar, inevitavelmente a glicemia subirá muito, o que também é ruim! Portanto, é preciso ter paciência, comer um pouquinho e esperar 15 minutos para repetir a ponta de dedo. Caso ainda esteja baixo, repetir o procedimento!
A Sociedade Brasileira de Diabetes tem ainda algumas outras recomedações: http://www.diabetes.org.br/perguntas-e-respostas/122-como-cuidar-de-uma-hipoglicemia#.UASB0pJixVo.facebook.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Vício a comida

É possível definir vício a comida? Como podemos chamar alguém de viciado se somos todos obrigados a comer? E esse vício, se existir, é por conta de algum nutriente específico, como o açúcar, por exemplo? Não há consenso na literatura médica sobre isso, mas os avanços que vem existindo nessa área nos últimos anos rendem discussões bastante acaloradas.
A situação que mais lembra uma atitude de um "viciado" seria a compulsão alimentar em que pessoas comem grande quantidade de comida em um espaço curto de tempo, sem controle e se arrependendo muito depois, por saber que foi exagerado e poderá ter conseqüências negativas.
Para os psiquiatras, vício é melhor chamado de dependência e envolve 7 itens (para alguém ser dependente, apenas 3 desses itens são necessários):
1- tolerância
2 - sintomas de abstinência
3 - usar mais e por período maior do que planejava
4 -desejo persistente de consumo ou incapacidade de controlar o uso
5 - passar muito tempo procurando, consumindo, ou se recuperando dos efeitos da substância
6 -interferência nas atividades cotidianas
7 -uso da substãncia a despeito de conhcer efeitos adversos.
Os 5 últimos itens são puramente psicológicos e é possível caracterizar dependência somente com eles, mas como precisamos comer, é mais difícil separar o que é "uso" do que é "abuso".
Já os dois primeiros poderiam permitir a definição de dependência física. Em ratos, alguns experimentos com açúcar mostram que pode sim existir sintomas de abstinência, mas estes experimentos estão muito distantes do padrão de consumo alimentar humano (os ratos passavam muitas horas de jejum absoluto e depois tinham acesso a açúcar puro). Não há descrição clara, até o momento, de síndrome de abstinência em humanos.
Em relação à tolerância também é muito difícil de se definir. Em relação ao açúcar, por exemplo, sabe-se que crianças costumam gostar mais do que adultos e esse argumento é completamente inverso ao que se conhece como tolerância. Por outro lado, indivíduos obesos apresentam uma quantidade menor de receptores de dopamina, que geram recompensa. Não se sabe se é causa ou coseqüência, mas, se for conseqüência, isso significaria que esses indivíduos necessitariam de mais comida para alcançar o mesmo prazer, caracterizando tolerância.
Como se vê, é muito difícil tirar conclusões. Ao que parece, drogas agem em circuitos neurais semelhantes aos da comida, mas ainda estamos longe de provar que alguns alimentos viciem, no sentido estrito da palavra. O que talvez exista sejam pessoas mais propensas a desenvolver um comportamento de dependência à comida, tanto física como psicológica.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Tecido adiposo marrom

Ao contrário do que possa parecer, nosso tecido gorduroso é muito mais complexo do que um simples estoque de energia. Nossas células de gordura produzem hormônios, marcadores de inflamação e outros sinalizadores para todo o corpo e, dependendo de onde a gordura esteja, ela tem funções diferentes no metabolismo e se comporta de forma distinta. Como um exemplo, a gordura abdominal (a "barriguinha de cerveja") é mais perigosa que a gordura subcutânea (presente no quadril), mas também é mais fácil de ser mobilizada.
Mas o que vou falar aqui hoje é ainda mais interessante: um tipo diferente de tecido de gordura, que é capaz de produzir calor a partir de nutrientes, ao invés de estocar essa energia: é o tecido adiposo marrom. Essa gordura é conhecida há muitos anos, mas até pouco tempo acreditava-se que ela existia em alguns mamíferos (principalmente os que vivem no frio e hibernam) e no recém-nascido, mas após alguns meses de vida, desaparecia em humanos. A função dessa gordura seria produzir calor para esquentar o corpo em situações de frio. Qual não foi a surpresa, há alguns anos, ao se realizar exames de imagem refinados, chamados PET-FDG, quando se descobriu que uma porcentagem dos adultos humanos possuíam também essa gordura! E qual a importância disso? Ora, se pudéssemos ativar essa gordura marrom, queimaríamos parte do que comemos em forma de calor, ao invés de estocar gordura. Seria um mecanismo protetor do ganho de peso. Com isso, poderíamos controlar melhor a epidemia de obesidade.
É nteressante que, quando expomos pessoas ao frio, é mais provável que ela mostre ativação dessa gordura no exame de imagem que comentei. Ou seja, ela está nos defendendo do frio. Uma das possíveis explicações para o aumento da obesidade no mundo pode ser a temperatura mais ou menos constante em que vivemos (ar condicionado, ambiente fechado, agasalhos, etc). Mas não é só: em ratos que recebiam muito alimento, o tecido também se ativava, e assim os animais não ganhavam tanto peso, ou seja, era um mecanismo protetor para ganho de peso! Este tipo de estudo ainda não foi feito em humanos.
Além disso, pessoas magras parecem ter mais ativação de tecido adiposo marrom que obesos e jovens mais do que idosos. Seria essa uma das causas desses indivíduos terem ficados obesos? Ou seria mais difícil de visualizar, visto que é uma ínfima parte da nossa gordura total que é marrom? Não existe ainda resposta para essa pergunta.
Agora, a pesquisa deve-se voltar para substâncias que ativem esse tecido, ou que façam ele aumentar. Até agora sabe-se que capsaicina (que está presente nas pimentas vermelhas) parece ativá-lo, mas há uma série de outras substâncias que também são candidatas. Há pouco tempo descobriu-se também que atividade física faz com que parte de nossa gordura convencional (ou branca) se "amarronze". E uma nova substância descoberta produzida no músculo, a irisina, poderia fazer a mesma função sem necessidade do exercício físico, mas com todas as conseqüências positivas deste, qe já conhecemos há basante tempo!
Ou seja, na prática, ainda há pouco para ser usado. Ninguém vai passar frio ou comer pimenta em grande quantidade para emagrecer, mas o futuro nos reserva muitas possibilidades! Esperemos para ver!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Cigarro e Peso

É muito comum ouvirmos de pessoas que desejam perder peso que a causa para terem engordado foi a cessação do tabagismo, assim como é comum ouvirmos de pacientes que fumam que eles tem medo de parar pois engordarão. Isso, infelizmente, não é um mito e essa relação de fato existe. Uma compilação recente de estudos mostra um ganho de peso médio de 4,5 kgs um ano após parar de fumar. Por quê? Muitas razões existem. Por vezes, o fumante tenta abolir seu desejo pelo cigarro e sua ansiedade comendo - e como isso ocorre com freqüência em horários longe das refeições ou de casa, a qualidade do que se come é ruim. Não há dúvidas também que a própria nicotina é um supressor do apetite e talvez aumente um pouco o metabolismo (o que não é necessariamente bom, pois aumentar o metabolismo pode levar a aumento de risco de infarto, por exemplo, pois o coração precisa trabalhar mais). Pesquisas recentes tentam descobrir medicamentos que tenham esse efeito de diminuir o apetite da nicotina sem ter os efeitos maléficos dela (entre eles o vício). Devemos lembrar também que o cigarro contém muito mais do que nicotina e a imensa maioria dos compostos são extremamente deletérios para nosso corpo.
Mas nem tudo são más notícias. Esse mesmo estudo que mostrou ganho de peso médio de 4,5 kgs, mostrou que 16%-20% dos indivíduos na realidade perdem peso! Ou seja, é possível sim conciliar duas ótimas coisas! Para isso, é importante estar disposto a enfrentar grandes modificações de vida, de preferência com acompanhamento médico e eventualmente, utilizando medicações que possam ajudar (um bom exemplo é a bupropiona, medicação usada para ajudar a diminuir a ansiedade associada com a parada do cigarro, e que também consegue levar a uma pequena diminuição do peso - mas outras medicações também podem ser usadas).
De qualquer forma, é importante ressaltar que mesmo um eventual ganho de peso ainda é mais saudável do que continuar fumando! Fumar está associado a inúmeras condições deletérias para a saúde, desde má saúde dentária a infarto e cânceres de diversos tipos (e muito mais), como todos sabem. Portanto, se você fuma, não use essa desculpa para não largar! Procure um médico e as chances de se conseguir largar um vício péssimo e evitar o ganho de peso são bem grandes!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Diabetes tipo 2 em crianças

Tive a oportunidade de asistir a apresentação do Estudo TODAY, durante o Congresso Americano de Diabetes, no mês passado. Este estudo avaliou diferentes tratamentos para diabetes tipo 2 em crianças, que vem aumentando de prevalência de maneira impressionante nos EUA na última década, embora no Brasil ainda seja bastante raro (em adultos, porém, é extreamente comum, ao redor de 10%). Nesse estudo, de longa duração, viu-se dados preocupantes: quase metade das crianças com diabetes tipo 2 acabam precisando de insulina em poucos anos, mesmo usando medicações e, mais ainda, mesmo fazendo grandes modificações de estilo de vida com intuito de reduzir o peso entre 7-10%. Isso mostra, na minha opinião, que devemos incentivar ainda mais as crianças a perderem peso no momento em que ainda não apresentam diabetes, pois se não, pode ser tarde.
Mas isso também nos faz pensar,  e já vemos isso baseado em outros estudos, que a obesidade não é a única causa para o aumento impressionante do número de diabéticos em jovens (pois senão, já teríamos mais no Brasil também, que engordou muito nas últimas décadas). Nos EUA, por exemplo, a prevalência de obesidade estacionou na última década, mas a prevalência de Diabetes e Pré-Diabetes em adolescentes saltou de 9 para incríveis 23%. Talvez os obesos estejam mais obesos, talvez o tempo de obesidade seja maior, mas talvez existam outros fatores... Alguns implicados: poluição, disruptores endócrinos (substâncias presentes em plásticos, por exemplo), mães obesas e com glicemia alta que "passaram" aos filhos uma predisposição maior (que hoje chamamos epigenética), menor aleitamento materno, deficiências vitamínicas (exemplo: vitamina D, que temos baixa por tomar pouco sol)... Todos esses fatores parecem ter uma importância e acredito ser de extrema importância sabermos mais sobre eles para também tentarmos modificá-los antes do aprecimento do diabetes. Me proecupa que talvez essa epidemia de diabetes em jovens nos EUA ainda não tenha chegado ao Brasil, mas acabe por chegar. Por enquanto, enquanto tentamos descobrir o porquê deste aumento, vamos fazer o que podemos: vamos emagrecer nossas crianças, jovens e também mulheres em idade fértil!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O FDA, a obesidade e a Lorcaserina

Essa semana o FDA aprovou a medicação lorcaserina para tratamento da obesidade. Porém, muito mais do que a medicação em si (cujos resultados no peso não são superiores à sibutramina, por exemplo), o que mais nos alegra, endocrinologistas, é uma mudança de postura do FDA no que concerne às medicações antiobesidade e, por conseguinte, à própria obesidade. Vou explicar melhor. Há 13 anos o FDA não aprovava nenhuma nova medicação específica para obesidade, apesar dos índices alarmantes dessa doença (sim, obesidade é uma doença) nos EUA e de todas suas complicações (como Diabetes, apnéia do sono, infarto, etc). Tudo o que a agência fazia era retirar do mercado produtos já existentes, (alguns corretamente, caso do Isomeride) e não aprovar novos. De maneira até cômica, os argumentos para não aprovação variavam entre "baixa eficácia" e "alta eficácia" (isso mesmo, alta eficácia, pois então muitos indivíduos gostariam de usar e o risco de efeitos colaterais aumentaria!!!), além de "ausência de dados de longo prazo de segurança cardiovascular". Embora esse último argumento aparente ser válido, não há uma única droga no mundo que é lançada com segurança cardiovascular comprovada de longa data, pois estes estudos levam muitos e muitos anos para gerarem respostas e indo mais além, sabemos que a obesidade está associada a risco cardiovascular aumentado e, portanto, deixar de tratar esses indivíduos também é um risco. Uma combinação de duas medicações que já existem (fentermina com topiramato) não foi aprovada num primeiro momento, pois não se sabia o risco de malformações congênitas com o topiramato (mas o remédio já existe no mercado, para tratar epilepsia e enxaqueca!!!). Felizmente, essa combinação (o Qnexa) foi novamente submetida para aprovação e ha chances de ser aprovada.
Essa descrença do FDA nas medicações antiobesidade fez com que muitas indústrias farmacêuticas (que visam obviamente o lucro) parassem de tentar desenvolver medicações com esse propósito, visto que gastariam rios de dinheiro com grandes chances de serem barradas no FDA, mesmo com bons resultados. Quem o maior prejudicado? O obeso, claro.
Essa aprovação da lorcaserina mostra, portanto, que ainda podemos ser otimistas com as Agências Reguladoras e o tratamento da obesidade ainda tem futuro. Novas drogas passarão por julgamento do FDA em breve e esperamos que tenham o mesmo sucesso! Esperamos também que a ANVISA perceba este momento e também aja em favor dos obesos! Não faz sentidos essa "caça às bruxas" com remédios para emagrecer numa população cada vez mais acima do peso!!!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Calorimetria indireta

É de sabedoria popular que as pessoas têm metabolismo diferente. Quem nunca conheceu aquele "magro de ruim", que come tudo o que quer e mais um pouco e não engorda? Mais comum, no entanto, são pessoas que se queixam de fazer dietas restritivas e mesmo assim não perder ou perder muito pouco peso. Tudo isso é possível? Claro que sim. De uma maneira simples, o que determina se engordamos ou emagrecemos é a diferença entre o que comemos e o que gastamos. Porém, o que gastamos depende de uma série de fatores: o peso, idade, sexo, atividade física, atividades não programadas (exemplo: se movimentar muito no trabalho ou em casa) porcentual de gordura e de músculo no corpo, quanta energia gastamos para digerir os alimentos, contrações involuntárias de músculos e também fatores próprios do indivíduo que nem sempre podem ser modificados, alguns de origem genética.
É possível medir esse metabolismo? Existem diversos métodos, poucos porém são utilizados na prática clínica. Um deles é a calorimetria indireta, que é capaz de medir o nosso metabolismo de repouso (isso é, o quanto gastamos de enrgia se ficássemos o dia todo em repouso e em jejum). É um exame relativamente simples, de cerca de meia hora de duração que mede nosso metabolismo através de uma máscara que avalia troca de gases do organismo com o meio. Com ela em mãos, conseguimos dizer se uma pessoa é normometabólica, hipometabólica ou hipermetabólica (simplificando: se ela gasta o esperado, menos, ou mais que uma outra pessoa com seu peso, sexo e idade) e com isso definir melhor a quantidade de calorias que uma pessoa deve consumir para conseguir perder peso de maneira saudável.
Felizmente, essa é uma arma que já temos em mão e ajuda muitos indivíduos a ir em busca de seu peso ideal!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Fronteiras da Europa

Fiquei fascinado com esse mapa dinâmico das fronteiras da Europa durante os últimos mil anos. O trabalho para fazer isso deve ter sido enorme!
O mais impressionante, porém, é imaginar que cada simples mudança de cor que vemos na imagem, em geral significou guerras, com mortes, sofrimento, mudanças de governo e de propriedades...  E cada vez que uma  mudança se faz, os vencedores pensam: "consegui uma vitória definitiva! Essas são as novas fronteiras do meu governo, que serão eternas!". Como hoje, quando viajamos, pensamos que tudo que está lá, assim permanecerá. O belo de se visitar a Europa é pensar em tudo que cada lugar já vivenciou, quantas invasões, quantas trocas de governo...
Quando era pequeno, meu avô me dizia que ele havia nascido numa cidade da Polônia, que era dominado pelo Império Austro-Húngaro, mas que agora fazia parte da União Soviética. Pouco depois, a URSS caiu e o que meu avô contava já não era mais atual, agora a cidade estava na Ucrânia (é Zhovkva, vizinha a Lviv, cidade que sediará jogos da Eurocopa). Tive a oportunidade de ler um livro chamado "Polônia", infelizmente esgotado no Brasil, que conta, que conta, por personagens de uma mesma família, a atribulada história desse país ao longo dos séculos, saindo de ser um grande império (juntamente com a Lituânia) para um período em que simplesmente desapareceu do mapa. Outro belo livro épico da história de um lugar na Europa é "Londres", com uma idéia semelhante, contando histórias que se passam em diversos momentos chave da história dessa cidade.
Enfim, se vocês gostam de história (ou também se gostam da Europa!), não deixe de ver o vídeo.
http://www.youtube.com/watch?v=kBK9yncmps8

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista sobre proibição de emagrecedores - Rádio CBN

http://www.alexandrecabreira.com/2011/10/emagrecedores-continua-novela.html#!/2011/10/emagrecedores-continua-novela.html

O que é o gigantismo?

Muitas pessoas me dizem que leram essa reportagem sobre o gigante alagoano, em que meu nome aparece com um de seus médicos.
 http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1002944-5598,00-ESTUDANTE+DE+METROS+VISITA+MERCADAO+DE+SP.html

Como o paciente José Cristóvão divulgou todas as informações pela imprensa, não fere a ética comentar sobre exatamente o que leva ao gigantismo.

O aumento das extremidades e da altura ocorre pela presença de um pequeno tumor (de natureza benigna) na glândula hipófise, que localiza-se atrás do nariz (falando de maneira simples- inclusive o melhor meio de se acessar essa glândula por cirurgia é entrando por ali!), produtor de GH (o hormônio do crescimento). Porém, a pessoa só vai crescer demasiadamente se este tumor aparecer durante a infância ou adolescência, quando nossas cartilagens ainda estão abertas. Como às vezes o tumor é grande, ele impede a produção de outros hormônios pela glândula hipófise, alguns dos quias são responsáveis pelo fechamento dessas cartilagens. Dessa maneira, se não for tratado, a pessoa pode continuar a crescer indefinidamente, como o ocorreu com o Gigante de Alton (http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Wadlow), Robert Wadlow, o homem mais alto que se tem notícia, com 2,72 m, que cresceu até a morte, com 22 anos.
Quando o tumor aparece já na idade adulta, não há crescimento em altura, porém as extremidades do corpo aumentam, como o nariz, queixo, pés, mãos, língua, assim como os órgãos internos, o que pode aumentar a mortalidade se os indivíduos não forem tratados a tempo. Essa condição chama-se acromegalia e é mais freqüente que o gigantismo. Infelizmente, muitas vezes esses casos passam sem diagnóstico, pois como as mudanças ocorrem lentamente, nem o indivíduo nem a familia percebem. Sinais que chama a atenção é perder as alianças de casamento, que não cabem mais nos dedos, aumentar o calçado, problemas de audição... Como o tumor pode crescer, pode támbém dar alteração de visão, pois nossos nervos ópticos passam perto da glândula e podem ser comprimidos por ela. Veja fotos que encontrei no google de pessoas com feições clássicas de acromegalia:
http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://pathologyproject.files.wordpress.com/2012/03/acromegaly-214_21.jpg&imgrefurl=http://pathologyproject.wordpress.com/2012/03/30/acromegalyabby/&h=318&w=216&sz=17&tbnid=umSSWUI4plLNVM:&tbnh=90&tbnw=61&prev=/search%3Fq%3Dacromegaly%26tbm%3Disch%26tbo%3Du&zoom=1&q=acromegaly&docid=9xAlR4kXhxfdVM&hl=pt-BR&sa=X&ei=5V2tT-jTK6fH6gGsrcjmDA&ved=0CJcBEPUBMAQ&dur=210

http://www.google.com.br/imgres?q=acromegaly&hl=pt-BR&sa=X&biw=1259&bih=634&tbm=isch&prmd=imvns&tbnid=upbYzmw63tfRtM:&imgrefurl=http://images.rheumatology.org/viewphoto.php%3FimageId%3D2862144%26albumId%3D75685&docid=dxAJd2j6frdpKM&imgurl=http://images.rheumatology.org/image_dir/album75685/md_99-22-0009.tif.jpg&w=550&h=367&ei=f2KtT9CvG5OK6QGqhdz9DA&zoom=1&iact=hc&vpx=301&vpy=200&dur=980&hovh=183&hovw=275&tx=179&ty=116&sig=116453472508947948115&page=1&tbnh=134&tbnw=179&start=0&ndsp=18&ved=1t:429,r:13,s:0,i:99

O tratamento é geralmente cirúrgico, mas às vezes, utiliza-se medicações, que conseguem normalizar níveis de GH e diminuir o tumor.

Entrevista SPTV sobre Obesidade Infantil

http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/03/endocrinologista-tira-duvidas-sobre-obesidade-infantil-no-sptv.html

Combinação Bupropiona e Naltrexona para tratamento da Obesidade - para médicos


Publicado na Revista da ABESO - Associação Brasileira para Estudo da Obesidade



Numa época de substancial aumento da prevalência de obesidade em todo o mundo e com uma oferta cada vez mais parca de medicações disponíveis para seu tratamento e que freqüentemente falham em alcançar resultados satisfatórios, é natural que combinação de duas ou mais drogas sejam testadas e utilizadas em nossa prática clínica, como ocorre com outras doenças crônicas multifatoriais e com fisiopatologia complexa, como a hipertensão e o diabetes mellitus. Embora o risco de interações medicamentosas e o custo do tratamento sejam maiores, podemos, com a combinação, obter efeitos aditivos ou sinérgicos no peso. Exemplificando, se o uso de duas drogas como a sibutramina e o orlistate, com mecanismos de ação muito diferentes, oferece a possibilidade de se agir em duas vias distintas obtendo uma resposta aditiva (embora com resultados muito desapontadores em estudos clínicos), o uso de uma droga que bloquearia efeitos compensatórios naturais advindo do uso de uma outra medicação teria o potencial de oferecer um resultado ainda maior que a soma do uso das duas drogas individualmente. Foi com essa idéia que um grupo de pesquisadores formulou a hipótese que a droga anti-depressiva e anti-tabágica bupropiona em combinação com o antagonista opióide naltrexone (usado para o combate ao alcoolismo), pudesse ter um grande efeito no peso, apesar da eficácia extremamente limitada do uso das mesmas isoladamente.

                O racional para tal raciocínio é o seguinte. A bupropiona é um inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina, agindo desta forma aumentando a concentração dos dois neurotransmissores no sistema nervoso central. Essa maior concentração no núcleo arqueado aumenta a sinalização de neurônios produtores de POMC (pró-opiomelanocortina). O POMC liberado após essa sinalização é rapidamente clivado em alfa-MSH e beta-endorfinas. O alfa-MSH é uma substância reconhecidamente anorexigênica agindo nos receptores 3 e 4 de melanocortina (MCR3 e MCR4) e que também aumenta o gasto enérgetico. O efeito da bupropiona no peso, porém, não é tão pronunciado pois a beta-endorfina que é produzida em conjunto, um opióide endógeno, inibe diretamente a via da POMC, num retro-alimentação de alça curta. Um excesso de beta-endorfinas leva a um aumento do consumo alimentar em roedores, principalmente de alimentos mais palatáveis. O naltrexone, como já dito, é exatamente um antagonista opióide, e portanto, das beta-endorfinas. Assim, o efeito anorexigênico da bupropiona poderia ser mais pronunciado por não ser mais inibido pelas beta-endorfinas.

                Estudos eletrofisiológicos em ratos confirmaram uma maior sinalização de neurônios POMC em roedores, conforme a hipótese formulada e, posteriormente, a combinação mostrou-se eficaz em reduzir substancialmente o consumo alimentar em animais, mais do que o efeito aditivo das duas drogas.

                Após estudos fase II, designou-se que as dosagens a ser usadas em conjunto seriam de 360 mg de bupropiona SR, dividida em duas tomadas e naltrexone SR de 16 ou 32 mg (a dose de naltrexone 48mg foi descartada por alto índices de efeitos colaterais e abandono). Os comprimidos possuíam a combinação em dose fixa (i.e NB 8/160 ou 16/160 tomados duas vezes ao dia).

                Dois estudos clínicos fase III foram, então, realizados, o COR-I e COR-II. O COR-I, com resultados divulgados no jornal Lancet, randomizou 1742 indivíduos durante 56 semanas para as duas doses propostas e placebo. No grupo que utilizou 32 mg de naltrexone (a dose com melhores resultados) a perda de peso média foi de 4,8%, sustentada, e a porcentagem de indivíduos que perderam mais de 5%, 10% e 15% de peso foi, respectivamente, 48%, 25% e 12%. Houve diminuição de circunferência abdominal, aumento de HDL, redução de triglicérides, Proteína C reativa e glicemia de jejum. A taxa de abandono por efeitos adversos no grupo tratamento foi de 20% contra 7% no placebo, sendo o mais frequente a náusea (que ocorreu principalmente nas primeiras semanas de tratamento e mais associada ao naltrexone), seguido por constipação intestinal, cefaléia, tontura, vômitos e boca seca. Apenas três eventos adversos considerados graves ocorreram na combinação do COR-I com o COR-II, em quase 3000 pacientes: uma convulsão (relacionada à bupropiona, que diminui limiar convulsivo e é contra-indicado em pacientes com história convulsiva prévia), um episódio de parestesia e um de palpitações associado a dispneia e ansiedade. A pressão arterial permaneceu inalterada e houve o aumento de um batimento por minuto. Porém, nos indivíduos que perderam peso, houve redução dos níveis pressóricos.

                Outro estudo recente, o COR-BMOD ofereceu, além do tratamento com a combinação, conselhos sobre modificação de estilo de vida e atingiu uma perda de peso média de 11,5% (4,2% subtraída do placebo), claramente mostrando que a combinação de drogas com aconselhamento tem grande possibilidade de ser eficaz (80,4% dos que terminaram o estudo perderam mais de 5% do peso).

                Infelizmente, nos EUA, embora a combinação em dose fixa diária de 360 mg de bupropiona com 32 mg de naltrexone tenha recebido uma revisão positiva pelos membros painel do FDA, a droga foi rejeitada pelo mesmo FDA em Fevereiro de 2011, por ausência de dados de segurança de longo prazo, apesar do bom perfil de tolerabilidade e segurança apresentados nos estudos.

                Embora ainda indisponível para comercialização em dose fixa, possuímos, no Brasil, as duas drogas no mercado, sempre destacando que uma eventual prescrição para a obesidade caracteriza o uso off-label, permitido pelo CFM, mas que deve sempre ser bem explicado ao paciente. A bupropiona é vendida nas doses de 150 e 300 mg, com diferentes perfis farmacocinéticos de liberação e o naltrexone na dose de 50 mg (mais alta que a utilizada nos estudos, além de ser de liberação rápida). A apresentação do naltrexone dificulta o uso na clínica, por maiores efeitos colaterais e tempo de ação mais curto. De qualquer maneira, pode ser uma ferramenta útil para alguns pacientes que tiveram falha clínica com modificação de estilo de vida e outras medicações de primeira linha, como orlistate e sibutramina, sempre se respeitando a contra-indicação em pacientes com história de epilepsia, além de cuidado com a administração em conjunto com outras medicações de ação central e mecanismos semelhantes à bupropiona (como inibidores de recaptação de serotonina, tricíclicos e outras drogas de ação catecolaminérgica). O naltrexone possui poucas interações e só não deve ser utlizado em pacientes em tratamento com opiáceos, por diminuir a efetividade do tratamento.





Literatura Recomendada:

Halpern, B, Faria AM, Halpern, A. Bupropion/Naltrexone fixed dose for the treatment of obesity. Drugs of Today, 2011

Halpern, B, Oliveira, ESL, Faria, AM, et al. Combination of drugs in the treatment of obesity. Pharmaceuticals. 2010, 3, 2398-2415

Greenway, FL, Whitehouse, MJ, Guttadauria, M, et al. Rational Design of a Combination Medication for the treatment of obesity. Obesity. 2009 17: 30-39

Greenway, FL, Fujioka, K, Plodkowski, RA, et al. Effect of naltrexone plus bupropion on weight loss in overweight and obese adults (COR-I): a multicentre, randomized, double-blind, placebo-controlled, phase III trial. Lancet 2010, 376:595-605.

Wadden, TA, Foreyt,JP, Foster, GD, et al. Weight loss with Naltrexone SR/Bupropion SR Combination Therapy as an Adjunct to Behavior Modification: The Cor-BMOD Trial. Obesity, 2011 19: 110-120.

Por que minha glicemia é baixa à noite e alta pela manhã- para diabéticos

Muitos diabéticos nos perguntam por que sua glicemia sobre durante a noite. A dúvida é maior ainda quando o paciente vai dormir com uma glicemia boa e ao acordar, estranhamente ela está mais alta, mesmo sem ter comido nada à noite. A explicação envolve diversos mecanismos de regulação do nosso corpo.
Para começar, a glicose que circula no sangue não vem totalmente do que comemos. O corpo também é capaz de estocar e produzir a glicose, inclusive para estar preparado para os períodos de jejum. O principal responsável por isto é o fígado (e o rim em menor escala).
O fígado, quando nos alimentamos, estoca certa quantidade de glicose. Esta glicose não vai diretamente para o sangue, ficando como reserva para períodos de necessidade. Além disso, o fígado é capaz de produzir glicose a partir de outros nutrientes do corpo como: gorduras e proteínas.
Sendo assim, durante todo o tempo o fígado faz este balanço de produção ou estoque de glicose, de acordo com a hora do dia e com a alimentação. Essa “escolha” do fígado em aumentar a glicose do sangue, se dá pela ação de hormônios do nosso corpo. O mais conhecido é a insulina. Ela retira a glicose que está no sangue e leva para dentro das células do nosso corpo (lembrando que a glicose é a principal fonte de energia do nosso corpo). Alem disso, tem outras funções, como “avisar” o fígado que ele não precisa produzir mais glicose. O objetivo final é diminuir a quantidade de glicose no sangue e aumentar dentro das células.
Mas há outros hormônios que agem no sentido oposto! É o glucagon, o cortisol, o hormônio do crescimento e a adrenalina.
O glucagon tem um efeito rápido no aumento da glicose no nosso sangue por aumentar a produção de glicose pelo fígado.
O hormônio de crescimento (GH) e o cortisol agem mais devagar, mas também elevam a glicose no sangue e o período em que eles estão mais altos durante o dia é exatamente no horário da manhã!
A adrenalina também se eleva quando acordamos. Aliás, é o hormônio que é liberado quando nosso organismo é submetido a algum período de estresse, por isso se ouve muito dizer que em períodos de nervosismo o diabetes pode subir!
Portanto, existem muitos mecanismos envolvidos em manter o açúcar em níveis bons. Quando a dose de insulina não é suficiente ou os remédios que tomamos para a diabetes não estão fazendo o efeito desejado (seja aumentando a produção de insulina ou facilitando a ação desta), os outros hormônios continuam agindo, fazendo com que os níveis de glicose subam, independente da alimentação.

Introdução

Meu intuito nesse blog é postar textos de saúde, principalmente relacionados à endocrinologia, metabologia e nutrição, utilizando informações provenientes de artigos científicos e discussões clínicas sérias.
Tentarei também fazer textos gerais, sem relação com a medicina, sobre assuntos que me interessam.