sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Reportagem sobre os benefícios do azeite de oliva com minha participação

http://rederecord.r7.com/video/azeite-e-conhecido-mundialmente-como-um-dos-alimentos-mais-saudaveis-que-existe-52aee3360cf218f0319afa59/



Sempre lembrando que simplesmente adicionar azeite de oliva na dieta pode engordar, porque azeite é gordura! A idéia é trocar outras fontes de gorduras, principalmente animais, por gorduras vegetais, como o azeite!

Bom apetite!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A importância do colesterol e das estatinas


Tenho muito respeito pelo prof. Drauzio Varella, uma eminente voz médica e lúcida ao tratar com o público leigo temas difíceis e delicados. Porém, em sua coluna da folha chamada “A agonia do colesterol”, o dr. Drauzio, comete alguns equívocos que podem confundir a população e levar a uma interrupção de tratamentos com estatinas, remédios cuja principal função é reduzir o colesterol, para pessoas que se beneficiam claramente desse medicação.

Há muitas décadas é sabido o papel de altas taxas de colesterol, principalmente aquelas presentes em proteínas conhecidas como LDL, que saem do fígado e seguem para as artérias, e o risco de desenvolvimento de placas de aterosclerose e consequentemente, doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, principais causas de morte no mundo ocidental. Por exemplo, indivíduos com alterações metabólicas genéticas, com níveis altíssimos de colesterol podem apresentar aterosclerose ainda na infância e reduzir esses níveis ajudam a melhorar sua condição. Mas mesmo na população geral, há uma clara relação entre níveis mais altos de LDL e doença cardiovascular.

Essa relação não implica que tratar o LDL reduzirá seu risco, é preciso estudos. E as estatinas, de quem estamos falando, foram avaliadas em diversos estudos em diversas populações e os resultados são claros: elas baixam o LDL colesterol e reduzem o risco de eventos cardiovasculares. Em populações de alto risco dessas doenças, por exemplo, diabéticos, tabagistas e hipertensos graves ou indivíduos que já tiveram alguma vez um infarto ou AVC, os resultados são inquestionáveis e em grande parte responsável pela expressiva queda de mortalidade (junto com um bom tratamento para a hipertensão) por doenças cardiovasculares nas últimas décadas. Os resultados são tão bons que atrapalham até a avaliação de outros remédios, pois não é ético deixar indivíduos em pesquisa sem medicações para colesterol e hipertensão para avaliar eficácia de outras medicações candidatas a serem utilizadas.

A questão é que, em um indivíduo que tem apenas um LDL um pouco alto (por exemplo, 150), mas não fuma, não tem diabetes, pratica atividade física e tem pressão normal, a chance do remédio ser benéfico é bem menor, afinal essa pessoa tem um risco muito baixo de ter um evento cardiovascular! Ou seja, o remédio tem grande chance de não ser benéfico afinal essa pessoa não corre risco de ter um infarto que o remédio evitaria! Muitas pessoas portanto vão tomar a medicação sem obter benefício para que poucas de fato se beneficiem!  Não quer dizer que o remédio seja ruim, ele simplesmente não é necessário. É como sair de casa com guarda-chuva num dia ensolarado. O guarda-chuva protege da chuva, é fato, mas em um dia de sol não vai ter utilidade nenhuma! Portanto, nesse grupo de pacientes de baixo risco devemos sim ter cuidado ao prescrever uma estatina e avaliar os outros fatores de risco antes de qualquer decisão. Não devemos ver o colesterol sozinho, mas sim todo o contexto do paciente. Não devemos tratar um exame e sim um paciente. Sem esquecer que a medicação tem efeitos colaterais, sendo o mais comum dores musculares, e mais raramente, alterações em exames do fígado e até levar ao aparecimento de diabetes! Devemos balancear os riscos x benefícios sempre!

                Também consiste em uma leitura equivocada das novas diretrizes para Tratamento do Colesterol acreditar que o valor do LDL-colesterol passou a não ter nenhuma importância e tanto faz os níveis que você tenha

O que o consenso diz é o seguinte, junto com alguns comentários meus:

1)      em indivíduos de alto risco, os benefícios do uso de estatinas é tão grande que devemos usar a maior dose tolerada possível, mesmo que os níveis de colesterol não estejam tão altos – uma questão importante é que existem outras medicações que baixam colesterol e nenhum estudo mostrou que elas sejam tão boas quanto as estatinas, portanto, a idéia é que colesterol deve ser baixado com estatinas e não com outras medicações e quanto menores os valores alcançados, melhor

2)      em indivíduos com riscos menos óbvios, devemos tentar calcular seu risco baseado em diversas variáveis, entre elas o LDL-colesterol,  e decidir se o tratamento é válido se o risco for maior que 7,5% em 10 anos. Se sim, devemos utilizar estatinas para baixar o colesterol pois o risco é suficientemente grande para que o remédio reduza esse risco

3)      Indivíduos que tem o LDL colesterol acima de 190 sem tratamento devem ser tratados igualmente, pois eles passaram boa parte da vida expostos a níveis altos de colesterol nas artérias e portanto já tem risco alto. Parte desses indivíduos tem algumas das alterações genéticas que comentei. O problema aqui é que nem sempre é possível chegar em valores menores que 100 nessas pessoas e portanto a idéia é que mesmo que não se chegue nesses valores ditos ideais, se estiverem em tratamento com a dose máxima tolerada o risco já terá diminuído.

4)      Nos pacientes de baixo risco, o tratamento com estatinas é menos claro, pelas razões que já falei. Há poucos estudos com pessoas com menos de 40 ano, por exemplo. Mesmo assim, nos estudos de pessoas com baixo risco, há diminuição de eventos, mas não de mortalidade, pelas causas que já comentei, que essas pessoas morrerão de outros fatores que não infarto e nesse caso, as medicações não terão sido úteis. Para essas pessoas, algumas das considerações feitas na coluna do dr. Drauzio são bastante válidas. Não devemos tratar só baseado em um nível de colesterol.

 

Concluindo, é errado acreditar que as novas Diretrizes, que não deixam de ser controversas por uma série de razões que não são possíveis discutir aqui, concluem que os níveis de colesterol não estão associados com risco cardiovascular. Pelo contrário, a relação é tão evidente que se recomenda tratar com as doses mais altas possíveis para diminuir o máximo possível o colesterol em indivíduos com maior risco,, independente do valor final do LDL. Não devemos desconsiderar o que aprendemos em trinta anos. Também é óbvio que existe lobby de indústrias farmacêuticas para prescrição de medicamentos, mas com a atual diretriz, as indústrias de medicamentos para colesterol que não são estatinas saem perdendo muito e elas igualmente tem fortes lobbies. O tratamento para pessoas de baixo risco deve sim ser discutido de forma rigorosa, como propõe o prof. Drauzio, mas minha preocupação é que indivíduos de maior risco, com benefícios claros, deixem de tomar a medicação baseados nas conclusões da coluna.

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Jet lag - como tratar?


Como tratar o jet lag?

 

Com o aumento do número de viagens para lugares distantes, com muitas horas de fuso de diferença, também se elevou o número de pessoas interessadas em entender mais sobre o fenômeno do jet lag. Se para viajantes de férias, com tempos de viagem relativamente longas, o problema é minimizado, já que afinal tudo é festa e há bastante tempo para se adaptar (o que nem sempre é o caso na volta!), o problema pode ser mais grave para executivos, com viagens de poucos dias a locais distantes em que uma boa performance física e mental é importante para se fechar negócios, dar aulas, etc, e ainda mais em comissários de bordo. Nos EUA, onde viagens que percorrem vários fusos são mais frequentes que no Brasil (a diferença de fuso entre a Califórnia e Nova Iorque  chega a quatro horas, e ao Havaí nem se fala), o jet lag é considerado em alguns casos uma doença crônica com diversas manifestações clínicas importantes, que vão desde insônia, a dor de cabeça, enjôos, prejuízo no trabalho e depressão. Também devemos levar em conta que a resposta individual a uma mudança de fuso é variada e enquanto há manifestações de que “é tudo bobagem, é só dormir direito no dia seguinte”, há pessoas que sofrem muito com essa questão.

Então, vamos tentar esclarecer alguns pontos:

1-      Viajar para o leste tende a ser mais difícil para se adaptar do que viajar para o oeste – nosso ritmo circadiano (que é o ritmo interno do nosso corpo, que dura aproximadamente 24 horas, independente do ambiente em que estamos) lida melhor com um prolongamento do dia do que com um encurtamento (basta perceber que é muito mais fácil dormir mais tarde do que ir dormir às sete da noite) e quando viajamos a leste, temos um encurtamento. Em média, dizemos que nosso ritmo interno se readapta ao ritmo externo numa velocidade de 92 minutos por dia quando vamos ao oeste e 57 minutos quando vamos a leste (ou seja, em um fuso de 5 horas, você estará readaptado após 5 dias viajando a leste e 3 dias, a oeste). O fato de você não sentir os sintomas depois desse tempo não significa  necessariamente que seu ritmo se sincroniza mais rápido, apenas que isso pode não ser aparente (em geral, a sensação das pessoas é que elas se adaptam mais rápido do que o real, que pode ser medido por temperatura corporal nas 24 horas, por exemplo).

2-      Em viagens a leste, a melhor opção é acordar bem cedo e se expor à luz – a exposição à luz de manhã costuma acelerar nosso ritmo, como se desse a informação ao corpo que o dia começou mais cedo que o esperado. Em viagens ao oeste é o contrário, quanto mais exposto à luz você estiver no final da tarde, melhor, pois seu corpo reconhece isso como um dia que está se prolongando

3-      Viagens com mais de 8 fusos de diferença são mais complicadas – o ideal é você evitar estar na rua no amanhecer e no entardecer, pois a mudança de luz pode significar, para seu relógio interno, que o amanhecer é o anoitecer e vice-versa, atrapalhando ainda mais o processo – uma alternativa é utilizar óculos escuros nesses períodos

4-      Uso de melatonina: usar melatonina pode ajudar a ressincronizar seu ritmo mais rapidamente, mas há meios certos de se usar. Quando se viaja a leste, o ideal é tomar a melatonina ao deitar (pois nesse momento, no país de origem ainda é claro e o nosso corpo ainda não começou a produzir o hormônio por conta própria). Em geral, toma-se apenas nos primeiros dias até o corpo “entender” que aquele horário é o ideal para se produzir melatonina e passar a produzir por conta, com o ritmo já sincronizado. Em viagens a oeste, porém, na hora de deitar, sua produção de melatonina já é máxima e toma-la não tem nenhuma vantagem, a não ser que se tome doses altas que têm a capacidade de ser hipnótica, mas no caso, qualquer hipnótico, como zolpidem, teria a mesma função. A melatonina, nesse caso, seria útil para ser tomada no meio da madrugada, caso você acorde e não consiga mais dormir- mas a dose teria que ser baixa, no máximo 1 mg, para evitar que você fique dormindo a manhã inteira por ter usado uma dose hipnótica (que te deixará com sono por mais tempo) 

5-      A recomendação de tentar adaptar-se logo ao novo fuso-horário é simples e eficiente. Em geral, as companhias aéreas não ajudam muito nisso, servindo refeições em horários esdrúxulos, mas ao chegar tente já comer nos horários locais e pare de ficar fazendo aquelas contas mentais “no Brasil são tantas horas, por isso ainda não estou com fome”.

6-      Noites bem dormidas nos primeiros dias são importantes, mas nem todo mundo consegue dormir bem no avião (aliás, acho que a minoria que consegue)- o cansaço inicial pode fazer com que você queira dormir chegando no hotel, mas cochilos maiores de uma hora tendem a deixar você com “inércia de sono” no resto do dia- aquela sensação de que você dormiu, mas continua cansado e sem conseguir raciocinar direito – ou faça cochilos de até 45 minutos (por mais difícil que seja) ou tente passear bastante até cansar e vá dormir mais cedo esse dia – dormir à tarde pode tirar seu sono à noite, principalmente em viagens para leste

7-      Medidas simples como café pela manhã também tem sua utilidade comprovada- só não exagere o dia todo para não ficar com insônia à noite

8-      Não minimize seus sintomas na volta para casa – trabalhar cansado, com uma noite mal dormida e com jet lag, pode ser muito contraproducente e pode atrapalhar seu restabelecimento –mas as estratégias são as mesmas já citadas (lembrando que a volta é o contrário- quando se vem do oeste é pior do que quando se vem do leste)


Minhas informações são baseadas em evidências clínicas, publicadas em diversas revistas médicas, além de eu trabalhar e estudar, entre outras coisas, com distúrbios hormonais relacionados ao sono e ritmo circadiano. Como dito antes, cada pessoa reage de maneira distinta aos mesmos estímulos e essas dicas podem ter maior ou menor valor para diferentes pessoas, mas essas são as que hoje são consideradas melhores medidas para o jet lag.

 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Dieta paleolítica - esclarecimentos

Fui entrevistado para uma matéria bem polêmica da Revista Vogue, que trata de duas dietas, uma que apregoa jejum algumas vezes na semana e outra sobre a dieta paleolítica. A primeira dieta não merece nem comentários, foi altamente criticada por mim, mas infelizmente não apareceu qualquer menção ao que eu falei no texto.
Quanto à dieta paleolítica, também critiquei, porém a frase que saiu foi: “se a dieta da era paleolítica fosse boa como dizem, as pessoas não viveriam tão pouco naquela época, 25 anos em média".
Algumas pessoas (não muitas) me criticaram por essa frase, dizendo que não era a dieta que os matavam aos 25 anos. E de fato, não foi isso o que quis dizer com essa frase, que ficou um pouco fora de contexto, mas nem por isso ela perde a validade.
O que quis dizer é que muitos apregoam essa "volta ao antigo", "busca pelo elo perdido" como algo maravilhoso, que só nos traria benefícios e o fato é que a expectativa de vida só aumenta no mundo como um todo e se vivia muito pouco tempo na época das cavernas.
Não pretendo discutir aqui todas as causas que levaram a um aumento da expectativa de vida desde que saímos da Idade das Pedras, mas é fato que morria-se muito de infecções, inclusive alimentares (comidas cruas, mal conservadas, com vermes, bactérias e afins, água contaminada). Não havia antibióticos na época e qualquer infecção tinha alto poder de ser fatal. Deficiências vitamínicas também eram freqüentes, pois muitas vezes a disponibilidade de alimentos era pequena ou havia pouca variação. Não só isso, recentemente, descobriu-se através de múmias que indivíduos jovens (ao redor de 30 anos) já possuíam aterosclerose (entupimento de artérias), que muitos consideravam uma doença da vida moderna, mostrando que a história talvez não fosse bem essa.
A crítica que faço aqui não é apenas para a dieta. Muitos apregoam "ser contra" medicações, "ser contra" partos cesáreas e por aí vai, dizendo que passamos milênios sem essas opções e sobrevivemos. Sim, sobrevivemos, mas a questão da expectativa de vida volta à tona. Antibióticos diminuíram absurdamente as mortes por infecção, soros caseiros simples diminuíram absurdamente a mortalidade infantil, estatinas e medicações para pressão estão diminuindo nas últimas décadas as mortes por infarto e derrame, insulina salva a vida de diabéticos tipo I que morreriam de inanição em meses. Quanto aos partos, é claro que talvez tenhamos exagero nas indicações de cesárea (não sou obstetra e não vou entrar nessa discussão), mas devemos lembrar que até o século passado, a morte materna e infantil relacionada ao parto era extremamente comum e hoje em dia é considerada uma tragédia (felizmente). A Literatura Clássica, a História estão repletas de histórias de mortes no parto, de rainhas, damas, heroínas e por aí vai. As mulheres engravidavam sabendo que aquela poderia ser sua sentença de morte.
Portanto, foi isso que eu quis dizer quando critiquei a dieta paleolítica - o argumento que a sustenta não é válido.
Dietas que restringem muitos tipos de alimentos tendem a levar a deficiências de vitaminas e minerais, além de serem mais difíceis de ser seguidas a longo prazo. Comer só alimentos crus vou me abster de comentar.
A melhor dieta é aquela que cada um melhor se adapta e consegue manter a longo prazo, de maneira balanceada. Evitar junk-foods e gorduras trans é importante (há estudos científicos que comprovam isso) e a dieta do mediterrâneo (que prioriza peixes, nozes e castanhas, óleo de oliva, cereais, legumes, frutas e queijo) também já se mostrou benéfica em diversos estudos e pode ser seguida, mas de novo, apenas se ela se adapta bem a seu estilo de vida. Não há milagres!
Cuidado com os dogmas! Termino perguntando aos adeptos da dieta paleolítica se eles também utilizam água do rio para lavar seus alimentos, e se estocam no sal seus alimentos por meses - ah, uma pesquisa também mostrou que boa parte da proteína que se comia naquela época vinha de insetos! Não vou falar nada sobre se essas pessoas não usariam antibióticos ou insulina, pois diriam que a discussão é sobre alimentação!

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sono e obesidade (para médicos- publicado na Revista da ABESO)


A restrição de sono é um dos grandes efeitos do estilo de vida moderno e questionários americanos demonstram claramente que o número de indivíduos com sintomas relacionados a essa restrição vem crescendo progressivamente, assim como o número total de horas dormidas como um todo vem se reduzindo,principalmente durante a semana. Um questionário simples com residentes de endocrinologia no Hospital das Clínicas (mesmo os que não dão plantão) mostra 90% dos mesmos com restrição durante a semana e compensação de fim de semana. Considerando que o sono ocupa cerca de 1/3 de nossas vidas e não podemos viver sem ele, é de se esperar que essa restrição traga sérios malefícios a nossa saúde.

                De fato, inúmeros trabalhos publicados recentemente sugerem uma maior mortalidade e maior risco de eventos cardiovasculares (Risco relativo aproximado de 1,3) para quem dorme menos de 7 horas por noite. O mesmo acontece para quem dorme em excesso, porém essa é uma condição bem mais rara e não vai ser detalhada nesse texto.

O interessante, e muito pouco comentado, é que também existem diversos estudos que correlacionam a restrição de sono com a prevalência de obesidade em populações gerais, sendo que a relação mais forte ocorre em crianças e adolescentes. Nessas faixas etárias, todos os estudos transversais mostraram relação positiva. Já em adultos, 13 de 19 estudos também encontraram essa relação, na maior parte das vezes, em U, com menor incidência de obesidade entre aqueles que dormiam entre 7 a 8 horas. É muito difícil compilar esses estudos e chegar a dados definitibos devido a diferentes comparações e populações, mas a aparente relação pode ser explicada com base nos conhecimentos atuais.  

                Estudos clássicos já demonstraram que indivíduos privados de sono (4 horas VS 8 horas) tendem a ter escores de fome mais altos e de saciedade mais baixos, com preferência nítida por alimentos mais calóricos. Uma das razões seria um aumento da grelina e redução da leptina nesses indivíduos no dia seguinte ao que dormiam menos. Um recente estudo com neuroimagem demonstrou que indivíduos privados de sono têm aumento do estímulo hedônico ao visualizarem alimentos mais calóricos, com óbvias conseqüências. Além disso, é claro que quanto maior o tempo de vigília, maior a exposição a alimentos e também a álcool. Provavelmente, porém, não é só o aumento da ingestão que estaria envolvido nessa relação. Uma provável redução do gasto energético foi aventada, porém, até o momento, não há uma demonstração precisa de que isso ocorra, embora dados (e o bom senso) sugerem uma menor carga de atividade física programada naqueles indivíduos privados de sono. Como a fisiopatologia da obesidade é complexa, outros fatores também já foram estudados, como a disrupção no ritmo ultradiano do cortisol (levando a maior lipogênese por maior área sob a curva de secreção do hormônio), alterações na sinalização de insulina (com maior sensibilidade em tecido adiposo, também favorecendo lipogênese) e um aumento da oxidação preferencial de carboidratos em detrimento de gorduras (quociente respiratório mais alto).

                Cabe ressaltar que a quantidade de horas de sono é apenas uma entre inúmeras variáveis que podem relacionar sono e obesidade. Qualidade do sono, exposição à luz noturna, proporção de sonos de onda lenta e sono REM, trabalho noturnos, jet-lag social, apnéia do sono e sazonalidade são alguns dos fatores que também já se mostraram associados à obesidade e cada um deles mereceria destaque em um artigo como este.

                Estabelecida esta relação, com todas as críticas que se possa fazer a estudos transversais, que não estabelecem causa e efeito, resta uma outra dúvida importante: em um indivíduo que iniciará um programa de perda de peso, a privação de sono pode atrapalhar esse intento? Há menos estudos que avaliaram esse tema, mas aparentemente sim.

                Em um ensaio clínico com alimentação pré-montada, um questionário do sono foi realizado e aqueles que dormiam menos de 7 horas por noite tinham um risco relativo para perder mais de 10% do peso de 0,7, ou seja, uma maior dificuldade de perder peso, valores que permaneceram significativos mesmo após um ano de tratamento.

                Já em um estudo cross-over com 10 indivíduos com sobrepeso que faziam restrição calórica moderada por 2 semanas dormindo 8 horas ou 5 horas e meia, no período de menor sono, a perda de massa magra foi 60% da total, provavelmente devido a um quociente respiratório mais alto, com maior oxidação de carboidrato e maior conservação de gordura.

                Compilando todos esses dados, é claro que há ainda muitas dúvidas a serem respondidas, mas um bom questionário sobre o sono e orientações para uma noite bem dormida devem fazer parte de uma consulta clínica de indivíduos que desejam emagrecer.

                Tentar entender melhor os motivos que levariam à essa relação sono-obesidade também nos poderá ajudar a conhecer melhor a fisiopatologia da obesidade e encontrar novos tratamentos. E, por fim, como promoção à saúde, devemos identificar e tentar corrigir alterações no sono de nossos pacientes, pois estão claros os malefícios a longo prazo da privação de sono, não apenas na obesidade, mas em diversas outras doenças e na mortalidade geral.

 

 

Leitura recomendada:

Penev PD. Update on energy homeostasis and insufficient sleep. Journal of Clinical Endocrinology and Metabology 2012; 97 (6): 1792-1801

Killick R, Banks S, Liu PY. Implications of sleep restriction and recovery on metabolic outcomes. Journal of Clinical Endocrinology and Metabology 2012; 97 (11):3876-3890

Klingenberg L, Sjödin A, Holmbäck U, Astrup A, Chaput JP. Short sleep duration and its relation with energy metabolism. Obesity Reviews 2012; 13:565-577