segunda-feira, 31 de março de 2014

Jornal Nacional e a reportagem errada sobre a metformina!

Vou fazer umas contas simples aqui, se quiserem me ajudar a melhorar meus números, fiquem a vontade. Audiência do JN - aproximadamente 18.000.000 (30 pontos no IBOPE que corresponde a 188 mil domicílios ou cerca de 600.000 pessoas) - considera-se 70% da população acima de 25 anos, em que temos uma prevalência de diabetes conhecido ao redor de 6,5%- consideramos então que 50% tomam metformina (esse é um dado mais chutado - tecnicamente quase todos os DM2 deveriam usar, mas acr...edito que alguns não usem nada, outros usem só sulfa, insulina, etc) - ainda assim seriam por volta de 410 mil, sendo que metade deles (segundo dados da Globo) da classe C,D e E que não tem acesso rápido e fácil a médicos para tirar suas dúvidas, ou seja 205 mil, embora boa parte dos de classe mais alta tb não procurem o médico para tal. Vou considerar então que 1/4 pare de tomar medicação por conta da reportagem, ou seja, ao redor de 100 mil. O UKPDS mostrou uma redução de mortalidade com metformina de 36% após 10 anos com metformina (que lembrando, não tinha nada a ver com a matéria e foi incluída na lista por má interpretação do texto da ANVISA) - em estudos clínicos recentes, a mortalidade em diabéticos gira ao redor de 1,5% ano (e em geral pacientes em estudo clínico são mais saudáveis que a população geral) - a maioria usando Metformina - portanto se eles parassem de tomar, chegaríamos a 2,31% (se a mortalidade fosse 2,31% sem MTF e o Odds de 0,64 com MTF, chegaríamos a 1,5%) - com isso, de mortalidade total, da nossa população de 100.000, morreriam 2310 diabéticos sem MTF e só 1500 se continuassem a usar -
a reportagem mal elaborada do JN seria responsável por 810 mortes por ano!
isso pq fui moderado nas estatísticas e não considero quem não viu o Jornal e foi avisado por parentes e amigos, nem considero outros desfechos que não mortalidade geral. Também não entro no mérito da questão dos incretínicos.
A mídia deve ser mais cuidadosa ao querer fazer reportagens bombásticas - nesse caso, não concordo (nem a SBEM, SBD e ABESO) sobre a matéria como um todo, mas aqui estamos falando sobre algo que nem a ANVISA disse e que partiu da falta de informação dos jornalistas pura e simplesmente.
Uma retratação da matéria torna-se urgente!

quarta-feira, 26 de março de 2014

Notificação de efeitos colaterais de análogos do GLP-1 (Byetta, Victoza) e inibidores de DPP4 (Galvus, Onglyza, Trayenta, Januvia) pela ANVISA - nada de sensacionalismos

Essa publicação no Diário Oficial sobre o grande caso de notificações de efeitos adversos de medicações anti-diabéticas e riscos pancreáticos (e até câncer de pâncreas) será com certeza amplamente divulgada pela mídia, principalmente no que se refere ao uso de análogos de GLP-1 para perda de peso, em indivíduos sem diabéticos.
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/Alerta%20Terap%C3%AAutico%20Vers%C3%A3o%20DOE.pdf

 Antes que haja histeria, é importante ressaltar alguns pontos que nem sempre são destacados,, nem pela mídia, nem pela ANVISA

1) -notificação está longe de significar causalidade - é fácil entender que se alguém sofreu um acidente de trânsito e estava usando novalgina há 1 semana, a novalgina não é a causa do acidente, assim como alguém que tenha câncer pode estar usando várias medicações sem que nenhuma delas esteja relacionada ao aparecimento ou progressão do mesmo

2) é comum haver grande número de notificações relacionados a efeitos colaterais que acreditamos que a medicação possa ter e esse é um viés que às vezes é esquecido: se acho que o remédio dá alterações pancreáticas e meu paciente tem alguma alteração no pâncreas, notifico como relacionado. Por outro lado, se a pessoa tem algo que não me parece relacionado (uma infecção de vias urinárias em um remédio que nada tem a ver com as vias urinárias) não vou relatar. Assim, baseado em notificações, é extremamente comum acharmos um relato imenso de efeitos colaterais graves e, novamente, isso não implica causa e efeito

3) Não faz muito tempo, um artigo foi publicado baseado em notificações do FDA e assim como esse da ANVISA, mostrava um aumento de alterações pancreáticas associados a essas medicações. De modo interessante, um aumento no câncer de tireóide do tipo papilífero também foi visto, um tipo de tumor que nada tem a ver com a classe de medicãções (mas que pode ter sido notificado porque em ratos houve alguns casos de câncer medular de tireóide, que é completamente diferente do papilífero, mas que pode confundir não especialistas) - este é um exemplo de como notificações nada dizem. Esse aumento de notificações está documentado, foi revisto pelas agências regulatórias européias, americanas e outras e as medicações continuam sendo consideradas seguras. O dado novo da ANVISA em nada acrescenta para quem já acompanha o assunto de perto.

4) O uso de análogos do GLP-1 para perda de peso é considerado tratamento off-label, isto é, não previsto em bula. Isto não quer dizer que seja proibido ou seja má prática médica, sendo permitido pelo CFM (há um número enorme de medicações que são comumente usados off-label - antidepressivos para dor crônica e TPM, metformina para pré-diabetes, anti-epilépticos como estabilizadores de humor, etc). No caso dessas medicações, há estudos que mostram eficácia e segurança para não diabéticos e se eles não são aprovados, é porque a Indústria ainda não submeteu para aprovação (deve fazê-lo em breve) e porque, como o número de obesos é muito grande, as Agências sabem que, sendo aprovados, serão utilizados por um número imenso de pessoas e querem se resguardar (se um remédio tem 10% de efeito colateral e é usado por 1000 pessoas, apenas 100 terão efeitos colaterais, porém se um remédio tem 0,1% de efeito colateral e é usado por 1 milhão de pessoas, 1000 pessoas terão colateral).

5) O fundamental é que sejam medicações prescritas sob orientação médica especializada, que saiba manejar, conhece os riscos e os benefícios da medicação e do que leva ao uso de medicação. Ainda tratamos a obesidade como um problema estético e fácil de ser resolvido, sendo que toda a literatura mpedica mostra que é um problema de saúde gravíssimo, crônico, recidivante e raramente "curável". Dizer que uma medicação não deve ser usada "só para emagrecer" demonstra um enorme preconceito.

6) Demonizar tratamento para peso é uma das maiores barreiras para se atingir bons resultados (e isso inclui cirurgia bariátrica, que ainda é muito criticada, inclusive pela classe médica). É papel da imprensa, das agências regulatórias e dos médicos deixar claro que a perda de peso é fundamental para pessoas obesas (principalmente com doenças associadas) e que não é fácil ("fechar a boca e fazer atividade física" leva apenas 15% dos obesos a perdas de peso significativas após 2 anos!).