quarta-feira, 26 de março de 2014

Notificação de efeitos colaterais de análogos do GLP-1 (Byetta, Victoza) e inibidores de DPP4 (Galvus, Onglyza, Trayenta, Januvia) pela ANVISA - nada de sensacionalismos

Essa publicação no Diário Oficial sobre o grande caso de notificações de efeitos adversos de medicações anti-diabéticas e riscos pancreáticos (e até câncer de pâncreas) será com certeza amplamente divulgada pela mídia, principalmente no que se refere ao uso de análogos de GLP-1 para perda de peso, em indivíduos sem diabéticos.
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/Alerta%20Terap%C3%AAutico%20Vers%C3%A3o%20DOE.pdf

 Antes que haja histeria, é importante ressaltar alguns pontos que nem sempre são destacados,, nem pela mídia, nem pela ANVISA

1) -notificação está longe de significar causalidade - é fácil entender que se alguém sofreu um acidente de trânsito e estava usando novalgina há 1 semana, a novalgina não é a causa do acidente, assim como alguém que tenha câncer pode estar usando várias medicações sem que nenhuma delas esteja relacionada ao aparecimento ou progressão do mesmo

2) é comum haver grande número de notificações relacionados a efeitos colaterais que acreditamos que a medicação possa ter e esse é um viés que às vezes é esquecido: se acho que o remédio dá alterações pancreáticas e meu paciente tem alguma alteração no pâncreas, notifico como relacionado. Por outro lado, se a pessoa tem algo que não me parece relacionado (uma infecção de vias urinárias em um remédio que nada tem a ver com as vias urinárias) não vou relatar. Assim, baseado em notificações, é extremamente comum acharmos um relato imenso de efeitos colaterais graves e, novamente, isso não implica causa e efeito

3) Não faz muito tempo, um artigo foi publicado baseado em notificações do FDA e assim como esse da ANVISA, mostrava um aumento de alterações pancreáticas associados a essas medicações. De modo interessante, um aumento no câncer de tireóide do tipo papilífero também foi visto, um tipo de tumor que nada tem a ver com a classe de medicãções (mas que pode ter sido notificado porque em ratos houve alguns casos de câncer medular de tireóide, que é completamente diferente do papilífero, mas que pode confundir não especialistas) - este é um exemplo de como notificações nada dizem. Esse aumento de notificações está documentado, foi revisto pelas agências regulatórias européias, americanas e outras e as medicações continuam sendo consideradas seguras. O dado novo da ANVISA em nada acrescenta para quem já acompanha o assunto de perto.

4) O uso de análogos do GLP-1 para perda de peso é considerado tratamento off-label, isto é, não previsto em bula. Isto não quer dizer que seja proibido ou seja má prática médica, sendo permitido pelo CFM (há um número enorme de medicações que são comumente usados off-label - antidepressivos para dor crônica e TPM, metformina para pré-diabetes, anti-epilépticos como estabilizadores de humor, etc). No caso dessas medicações, há estudos que mostram eficácia e segurança para não diabéticos e se eles não são aprovados, é porque a Indústria ainda não submeteu para aprovação (deve fazê-lo em breve) e porque, como o número de obesos é muito grande, as Agências sabem que, sendo aprovados, serão utilizados por um número imenso de pessoas e querem se resguardar (se um remédio tem 10% de efeito colateral e é usado por 1000 pessoas, apenas 100 terão efeitos colaterais, porém se um remédio tem 0,1% de efeito colateral e é usado por 1 milhão de pessoas, 1000 pessoas terão colateral).

5) O fundamental é que sejam medicações prescritas sob orientação médica especializada, que saiba manejar, conhece os riscos e os benefícios da medicação e do que leva ao uso de medicação. Ainda tratamos a obesidade como um problema estético e fácil de ser resolvido, sendo que toda a literatura mpedica mostra que é um problema de saúde gravíssimo, crônico, recidivante e raramente "curável". Dizer que uma medicação não deve ser usada "só para emagrecer" demonstra um enorme preconceito.

6) Demonizar tratamento para peso é uma das maiores barreiras para se atingir bons resultados (e isso inclui cirurgia bariátrica, que ainda é muito criticada, inclusive pela classe médica). É papel da imprensa, das agências regulatórias e dos médicos deixar claro que a perda de peso é fundamental para pessoas obesas (principalmente com doenças associadas) e que não é fácil ("fechar a boca e fazer atividade física" leva apenas 15% dos obesos a perdas de peso significativas após 2 anos!).




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