Tenho muito respeito pelo prof.
Drauzio Varella, uma eminente voz médica e lúcida ao tratar com o público leigo
temas difíceis e delicados. Porém, em sua coluna da folha chamada “A agonia do
colesterol”, o dr. Drauzio, comete alguns equívocos que podem confundir a
população e levar a uma interrupção de tratamentos com estatinas, remédios cuja
principal função é reduzir o colesterol, para pessoas que se beneficiam
claramente desse medicação.
Há muitas décadas é sabido o
papel de altas taxas de colesterol, principalmente aquelas presentes em
proteínas conhecidas como LDL, que saem do fígado e seguem para as artérias, e
o risco de desenvolvimento de placas de aterosclerose e consequentemente,
doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, principais causas de morte no
mundo ocidental. Por exemplo, indivíduos com alterações metabólicas genéticas,
com níveis altíssimos de colesterol podem apresentar aterosclerose ainda na
infância e reduzir esses níveis ajudam a melhorar sua condição. Mas mesmo na
população geral, há uma clara relação entre níveis mais altos de LDL e doença cardiovascular.
Essa relação não implica que
tratar o LDL reduzirá seu risco, é preciso estudos. E as estatinas, de quem
estamos falando, foram avaliadas em diversos estudos em diversas populações e
os resultados são claros: elas baixam o LDL colesterol e reduzem o risco de
eventos cardiovasculares. Em populações de alto risco dessas doenças, por
exemplo, diabéticos, tabagistas e hipertensos graves ou indivíduos que já
tiveram alguma vez um infarto ou AVC, os resultados são inquestionáveis e em
grande parte responsável pela expressiva queda de mortalidade (junto com um bom
tratamento para a hipertensão) por doenças cardiovasculares nas últimas
décadas. Os resultados são tão bons que atrapalham até a avaliação de outros
remédios, pois não é ético deixar indivíduos em pesquisa sem medicações para
colesterol e hipertensão para avaliar eficácia de outras medicações candidatas
a serem utilizadas.
A questão é que, em um indivíduo
que tem apenas um LDL um pouco alto (por exemplo, 150), mas não fuma, não tem
diabetes, pratica atividade física e tem pressão normal, a chance do remédio
ser benéfico é bem menor, afinal essa
pessoa tem um risco muito baixo de ter um evento cardiovascular! Ou seja, o
remédio tem grande chance de não ser benéfico afinal essa pessoa não corre
risco de ter um infarto que o remédio evitaria! Muitas pessoas portanto vão
tomar a medicação sem obter benefício para que poucas de fato se beneficiem! Não quer dizer que o remédio seja ruim, ele
simplesmente não é necessário. É como sair de casa com guarda-chuva num dia
ensolarado. O guarda-chuva protege da chuva, é fato, mas em um dia de sol não
vai ter utilidade nenhuma! Portanto, nesse grupo de pacientes de baixo risco
devemos sim ter cuidado ao prescrever uma estatina e avaliar os outros fatores
de risco antes de qualquer decisão. Não devemos ver o colesterol sozinho, mas
sim todo o contexto do paciente. Não devemos tratar um exame e sim um paciente.
Sem esquecer que a medicação tem efeitos colaterais, sendo o mais comum dores
musculares, e mais raramente, alterações em exames do fígado e até levar ao
aparecimento de diabetes! Devemos balancear os riscos x benefícios sempre!
Também
consiste em uma leitura equivocada das novas diretrizes para Tratamento do
Colesterol acreditar que o valor do LDL-colesterol passou a não ter nenhuma importância
e tanto faz os níveis que você tenha
O que o consenso diz é o seguinte,
junto com alguns comentários meus:
1)
em indivíduos de alto risco, os benefícios do
uso de estatinas é tão grande que devemos usar a maior dose tolerada possível,
mesmo que os níveis de colesterol não estejam tão altos – uma questão
importante é que existem outras medicações que baixam colesterol e nenhum
estudo mostrou que elas sejam tão boas quanto as estatinas, portanto, a idéia é
que colesterol deve ser baixado com estatinas e não com outras medicações e
quanto menores os valores alcançados, melhor
2)
em indivíduos com riscos menos óbvios, devemos
tentar calcular seu risco baseado em
diversas variáveis, entre elas o LDL-colesterol, e decidir se o tratamento é válido se o risco
for maior que 7,5% em 10 anos. Se sim, devemos utilizar estatinas para baixar o
colesterol pois o risco é suficientemente grande para que o remédio reduza esse
risco
3)
Indivíduos que tem o LDL colesterol acima de 190 sem tratamento devem ser tratados
igualmente, pois eles passaram boa parte da vida expostos a níveis altos de
colesterol nas artérias e portanto já tem risco alto. Parte desses indivíduos
tem algumas das alterações genéticas que comentei. O problema aqui é que nem
sempre é possível chegar em valores menores que 100 nessas pessoas e portanto a
idéia é que mesmo que não se chegue nesses valores ditos ideais, se estiverem
em tratamento com a dose máxima tolerada
o risco já terá diminuído.
4)
Nos pacientes de baixo risco, o tratamento com
estatinas é menos claro, pelas razões que já falei. Há poucos estudos com
pessoas com menos de 40 ano, por exemplo. Mesmo assim, nos estudos de pessoas
com baixo risco, há diminuição de eventos, mas não de mortalidade, pelas causas
que já comentei, que essas pessoas morrerão de outros fatores que não infarto e
nesse caso, as medicações não terão sido úteis. Para essas pessoas, algumas das
considerações feitas na coluna do dr. Drauzio são bastante válidas. Não devemos
tratar só baseado em um nível de colesterol.
Concluindo, é errado acreditar que as novas
Diretrizes, que não deixam de ser controversas por uma série de razões que não
são possíveis discutir aqui, concluem que os níveis de colesterol não estão
associados com risco cardiovascular. Pelo contrário, a relação é tão evidente
que se recomenda tratar com as doses mais altas possíveis para diminuir o
máximo possível o colesterol em indivíduos com maior risco,, independente do
valor final do LDL. Não devemos desconsiderar o que aprendemos em trinta anos. Também
é óbvio que existe lobby de indústrias farmacêuticas para prescrição de medicamentos,
mas com a atual diretriz, as indústrias de medicamentos para colesterol que não
são estatinas saem perdendo muito e elas igualmente tem fortes lobbies. O
tratamento para pessoas de baixo risco deve sim ser discutido de forma rigorosa,
como propõe o prof. Drauzio, mas minha preocupação é que indivíduos de maior
risco, com benefícios claros, deixem de tomar a medicação baseados nas
conclusões da coluna.
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