quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Axel Munthe, O Livro de San Michele e a Medicina

Recentemente, li o 'O Livro de San Michele', do médico sueco Axel Munthe, publicado em 1929 no final de sua vida, que conta memórias de seu passado como médico da alta sociedade, mas também dos pobres em grandes desgraças, até o momento em que se cansou de tudo isso e foi morar numa Villa que ele próprio construiu em Anacapri, na Ilha de Capri, próximo a Nápoles. O livro é muito bonito e recomendo fortemente, mas também me surpreendi com a franqueza que Axel (provavelmente no final da sua vida, sem muito a perder) tem ao falar sobre algumas questões médicas e tenho certeza que, se fosse hoje em dia, publicado, ele seria muito criticado. Axel Munthe diz claramente em alguns momentos do livro que "inventava" diagnósticos para alguns pacientes como um método terapêutico, isto é, dizendo que sintomas de caráter psicológico eram, na realidade, doenças com um diagnóstico estabelecido (que hoje soa absurdo, como colite ou apendicite), e que, com estes diagnósticos firmados, estes pacientes se sentiriam melhores e mais dispostos, melhorando seus sintomas e respondiam muito bem a tratamentos-placebo. Ele também recomenda a um amigo médico que está perdendo pacientes que este deve se entitutular especialista em massagens (por, como todo sueco, saber um pouco do assunto) e esse acaba virando uma referência, recebendo, inclusive, milionários americanos em busca de sua "miraculosa" massagem. Embora sejam hoje considerado métodos eticamente duvidosos, é interessante observar como numa época de restritos conhecimentos científicos, médicos renomados e de bom caráter (é fácil perceber que Munthe era uma pessoa caridosa) se utilizava desses meios para se obter respostas clínicas favoráveis (os resultados práticos da massagem, segundo Munthe, eram expressivos). Munthe também cita como a hipnose era vastamente utilizada na época (nem sempre da melhor maneira, como deixa claro sua insatisfação com seu antigo mestre Charcot) e como se acreditava no seu poder de cura.
Devo observar que ainda hoje existam grandes dúvidas sobre a existência de algumas doenças, como a fibromialgia, a síndrome da fadiga crônica, a síndrome do intestino irritável, o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, entre outros. E muitos médicos e pesquisadores acreditam que estamos superdiagnosticando algumas condições e medicalizando-as em excesso, nos aproximando daquilo que Munthe comenta em seu livro. Não pretendo aqui discutir a existência ou não dessas doenças, tema complexo demais e do qual também não sou especialista e também não advogo a "invenção" de doenças para tratar pacientes, quero deixar claro. Estou convicto, porém, que todo médico deveria estudar mais a fundo a história da medicina, aprendendo com erros que já foram cometidos, entendendo como o conhecimento científico cresceu através dos anos e não esquecendo que o mais importante, sempre, é gerar o bem-estar do paciente. Se conseguirmos  isto, sem é claro, causar nenhum mal, estaremos nos aproximando dos ideais médicos de Hipócrates.
O que Munthe e seu amigo massagista é considerado altamente questionável hoje em dia, mas acredito que o poder da cura pode muitas vezes estar na palavra e na sensibilidade de um médico, muito mais do que em remédios.
Leitura recomendada!

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